Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A exploração do corpo feminino na imprensa

“Os meios de comunicação têm um papel decisivo para preservar a igualdade de gênero, ou seja, a democracia (…)” – Teresa Carreras, diretora de La Independent – Barcelona

Introdução

A Paraíba ocupa o 4º lugar no Mapa da Violência 2012, como o estado que mais mata mulheres no Brasil. Sua capital, João Pessoa, está na 12º posição. A violência contra a mulher é o reflexo de uma sociedade patriarcal, em que o homem considera a figura feminina como sua “propriedade”. A violência contra a mulher é classificada como psicológica, física, moral, patrimonial, sexual e tráfico de mulheres.

O movimento feminista na Paraíba tem pautado a mídia (TV, rádio, jornal impresso, portais, entre outros) em relação aos assassinatos de mulheres no estado, provocando uma incidência política positiva para denunciar este fenômeno, como também mobilizar a sociedade e cobrar do Poder Público a aplicação integral da Lei Maria da Penha e de outras políticas públicas que preservem os direitos das mulheres.

O movimento feminista paraibano mudou a maneira como a imprensa noticia os casos de violência contra a mulher (AZEVEDO, 2011). Antes, estas notícias eram colocadas no caderno policial dos jornais impressos. Hoje, elas são inseridas no caderno Cidades e também podem contar com Cadernos Especiais sobre a temática. No dia 15 de abril de 2013, o jornal Correio da Paraíba publicou matéria especial sobre a violência contra a mulher no estado, ocupando uma página inteira do jornal, no Caderno Cidades.

Na contramão desta conquista, surge, em 2009, um jornal que traz exposta em sua capa imagens de mulheres seminuas, em poses eróticas. O impresso, que tem o nome de Já Paraíba, tem em sua fórmula de venda quatro elementos básicos: futebol, violência, mulheres seminuas ou nuas e o preço, que é convidativo, principalmente para as pessoas de menor poder aquisitivo: apenas R$ 0,25. O Já Paraíba é um dos veículosdo Sistema Correio de Comunicação, o mesmo que é responsável pelo jornal Correio da Paraíba, e circula diariamente, de segunda a sábado. O Já Paraíba é considerado um jornal fait divers e, na edição de 11 de maio de 2013, comemorou seus quatro anos de existência. Não é difícil encontrar em qualquer ponto da cidade alguma pessoa que não esteja folheando o .

De acordo com Manuela Lira e Ana Veloso (2008, p. 2), a violência simbólica contra as mulheres “confere poder aos meios de comunicação em reproduzir o estereótipo patriarcal que relega uma posição de subalternidade à mulher, apresentando-a como inferior ao homem. Dessa forma, pode servi-lo como seu objeto de prazer e de consumo ideológico (fetiche) sexual”. Para as autoras, os meios de comunicação têm atuado como instrumentos de difusão de mensagens machistas, colaborando com o processo de massificação/coisificação social. Esse processo é resultado da desconsideração da função política e social do homem e da mulher, tanto em um contexto individual, quanto no coletivo.

Neste artigo, pretende-se discutir o uso da imagem das mulheres como estratégia de venda de um jornal, com apelo popular. Acreditamos que esta discussão é importante para refletirmos sobre a fórmula utilizada por estes impressos e as relações de gênero.Para tanto, vamos nos dedicar à análise das capas do jornal Já Paraíba, com o intuito de responder as seguintes perguntas:Os corpos das mulheres seminuas, expostos na capa do Já Paraíba, representam mais uma violência para o sexo feminino? A exibição das imagens de mulheres seminuas no Já Paraíba pode contribuir para o estímulo da violência contra a mulher? A mídia precisa de controle social? Controle sobre a mídia é censura? Estes são os pontos principais que serão debatidos neste artigo. Foram analisados 16 jornais no período de dezembro de 2012 a maio de 2013.

O boom dos jornais populares

Os jornais chamados de populares, assim considerados por atingirem um grande número de pessoas e por terem uma linguagem acessível, têm como receita para atrair o público as manchetes de crimes bárbaros, imagens de mulheres seminuas, fofocas sobre pessoas famosas e notícias de esportes. Seu surgimento teve início no fim do século 19, na Inglaterra e nos Estados Unidos. No Brasil, começaram a ser produzidos no início do século 21. O propósito é atingir as chamadas classes C, D e E, utilizando-se de uma linguagem simples – que, na maioria das vezes, agride a gramática –, textos curtos, muita fotografia e cores fortes.

Diniz (2009) aponta os jornais populares como a alternativa à crise financeira que abala a mídia impressa em todo o mundo. Com o surgimento da internet e dos portais de notícias online, em que os leitores podem acessar sem ter que pagar diretamente por elas, os empresários da comunicação tiveram que encontrar um meio para poder manter-se no mercado de impressos e assegurar os lucros. Não importava de que maneira fosse. E os jornais “populares” surgiram como a solução. Dines (2009) afirma que em 2008 este mercado exibiu cerca de um milhão e duzentos mil exemplares diários, o que pode significar, no mínimo, o dobro de leitores.

Aliado a todos estes elementos, o corpo feminino novamente é exposto como produto nas capas dos jornais fait divers, termo francês que indica os fatos que envolvem escândalos, curiosidades e fenômenos bizarros encontrados nos jornais da imprensa sensacionalista ou popular. (Neves, 2007).

O uso do corpo feminino como meio para atrair consumidores é um fato presente na mídia em geral, e não só nos jornais tidos como populares.

“As estratégias de comunicação em geral, vinculadas ao mercado e à necessidade de vender produtos, geraram uma relação muito direta entre consumo, prazer e poder. E a mulher aparece aí quase que como o próprio produto de consumo. É assim que se vende cerveja, é assim que se vende carro, é assim que se vende qualquer coisa a partir da figura feminina, especialmente a partir do corpo da mulher” (entrevista da deputada federal Maria do Rosário do PT do Rio Grande do Sul ao site Carta Maior, em 20/07/2004).

O Já Paraíba não foge a uma das regras dos jornais sensacionalistas ao querer vender suas “ideias”, e expõe em sua capa, e nas páginas destinadas a entretenimento, fotos de mulheres nuas ou seminuas, em poses consideradas sensuais. Geralmente, as fotos das páginas internas do tabloide trazem um texto apelativo sobre a modelo daquela edição, que só demonstra a reprodução da visão machista da sociedade em relação às mulheres, e consequentemente, de seus editores. Entre estes, podemos citar o da edição do dia 27/04/2013, número 300:

“Bela e difícil: Veridiana Quadros é uma bela loira de olhos verdes, corpo bronzeado e escultural. Essa é de deixar os homens de queixo caído, mas ela garante que não é uma mulher fácil”.

Não está indicado no quem escreve estas notas ou se elas são retiradas de outro jornal ou revista que explora o corpo feminino como mercadoria. Porém, revela a representação estereotipada da mulher, embasada ainda em uma ideologia de consumo que impõe padrões de beleza, gerando assim discriminações àquelas que não conseguem ou que não querem alcançar tal exemplo. Além da imposição de modelos “perfeitos” de mulheres, o texto traz em seu último parágrafo um jogo com a imagem da modelo, em três fotos, vestida de lingerie, “de quatro”, sem o sutiã, e deitada, também sem o sutiã com as duas mãos sob os seios. A inter-relação que o redator busca fazer entre texto e fotos tenta mostrar que, vestida desta forma, ela não pode ser uma mulher difícil, e que, portanto, estaria “disponível” a quem quiser. Além de estimular o desejo do leitor diante da modelo, vende-se mulher e os desejos que os homens terão sobre ela. Os textos, aliados às imagens no jornal Já Paraíba, mostram as mulheres como meros objetos sexuais, submissas e desprovidas de intelectualidade. Se observarmos bem, o conjunto de fatores que faz parte da receita dos jornais sensacionalistas direciona-se ao público masculino.

“As mulheres, como alerta Bourdieu (1999), são tratadas como objetos ou como símbolos cujo sentido lhes está alheio e cuja função é manter o capital simbólico – especialmente a honra – em poder dos homens. Dessa forma, elas circulam como mercadorias de ínfimo valor no mercado de bens simbólicos; precisam estar sempre belas e magras (…)” (Sayão, 2003).

Em outra edição, desta vez a do dia 08/05/2013, a modelo que tem seu corpo exposto na capa é Josi Detz. No texto que acompanha suas fotos, também em número de três, o redator da nota informa que ela estuda para concursos federais. Neste sentido, o opta em não mostrar uma imagem positiva da mulher, como ser humano capaz, pró-ativo e inteligente, preferindo relacionar a imagem feminina apenas como corpo-produto.

Em 1995, o Brasil participou da 4ª Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim, na China. Nesta conferência, estabeleceu-se uma plataforma de ação com 12 áreas prioritárias referentes à mídia. Os objetivos da Conferência, conforme aponta Moreno (2012, p.33), explicitam a necessidade de estimular, controlar e criar uma mídia que promova o crescimento digno da mulher, em vez de incentivar o rebaixamento de sua autoestima ao perpetuar e reiterar a apresentação de conceitos negativos e degradantes. Entre os objetivos da Conferência estão:

“Incentivar a mídia a que se abstenha de apresentar a mulher como ser inferior e de explorá-la como objeto sexual e bem de consumo, ao invés de apresentá-la como ser humano criativo, agente principal, contribuinte e beneficiária do processo de desenvolvimento” (Conferência Mundial da Mulher, Pequim, 1995).

Mas, por que utilizar o corpo feminino para vender jornais? Por que exibir imagens de mulheres com seus corpos em trajes minúsculos ou nuas como estratégia de venda para atrair consumidores?

A mídia – neste caso, o jornal impresso – reforça a violência simbólica, associando a mulher a um objeto de consumo, de prazer e de lazer dos homens.

Bourdieu (1999, p.14) afirma que para compreender a dominação masculina em uma sociedade contemporânea é fundamental considerar as estruturas inscritas na objetividade e na subjetividade dos corpos. Para os corpos existirem no mundo social eles precisam estar inseridos em uma cultura, deixando assim de ter um aspecto físico para assumir um significado cultural. A mídia é uma instituição que normatiza o simbólico, ao construir representações do sexo feminino, a partir da exploração de seus corpos.

“O uso do próprio corpo pela mulher continua de forma bastante evidente subordinado ao ponto de vista masculino” (Bourdieu, 1999, p.40).

A violência simbólica do e a violência de gênero

Tradicionalmente, conhecemos como violência contra a mulher as formas física, psicológica, patrimonial, moral, sexual e o tráfico de mulheres. Porém, há uma que não é tão debatida nem evidenciada pela sociedade: a violência simbólica.

“Violência simbólica, violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente do desconhecimento, do reconhecimento, ou, em ultima instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado, de uma prioridade distintiva, emblema ou estigma, dos quais o mais eficiente simbolicamente é essa propriedade corporal inteiramente arbitrária e não predicativa que é a cor da pele” (BORDIEU, 1999, p.7-8)

Por ser algo do campo subjetivo, a violência simbólica pode ser considerada uma maneira “sutil” de agressão, que não é percebida rapidamente como uma violência física, por exemplo. A violência simbólica pode ser comparada a psicológica, na medida em que seus sintomas, por assim dizer, são sentidos subjetivamente.

Um dos argumentos utilizados pelos editores dos jornais sensacionalistas é que as mulheres que têm seus corpos nus expostos em suas capas não são obrigadas a fazê-lo. Isto pode ser dito para justificar que não representa uma violência, pois elas permitiram que seus corpos fossem exibidos da maneira que os editores do jornal bem quisessem. E com o propósito que quisessem. Porém, segundo Pierre Bourdieu, em seu livro O Poder Simbólico, os sistemas simbólicos são estruturas da sociedade que conduzem instrumentos de dominação para legitimar o poder, seja numa relação entre classes sociais (divisão de trabalho) ou numa relação manual/intelectual (divisão de trabalho ideológico). “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1998, p.7-8).

O poder dominante, observa Bourdieu, rege as instituições (Estado, família, religião e os meios de comunicação), estando em toda parte, agindo de maneira disfarçada para não ser percebido. Esse poder também induz à violência simbólica contra a imagem da mulher, presente na mídia.

“Os jornalistas (…) podem até não ter a plena consciência de que a veiculação de matérias (…) pode refletir um estereótipo ou visão preconceituosa de determinada classe, raça ou gênero. No entanto, o mais grave é que a sociedade, e as próprias mulheres, como objetos simbólicos da reprodução desses valores, muitas vezes também não conseguem perceber o desrespeito à condição social feminina” (Veloso & Lira, página 5).

Por outro lado, 80% das mulheres consideram que a sua imagem na mídia atualmente, além de desagradar, contribui para uma desvalorização e subjulgamento geral da figura feminina (pesquisa Fundação Perseu Abramo/SESC – 2011).

As estatísticas apontam que, a cada dois minutos, cinco mulheres são vítimas de violência no Brasil (Moreno, p.49, 2012). E a exposição do corpo feminino em jornais como o Já Paraíba reforça a cultura machista tão marcante em nossa sociedade, afirmando o homem como dominador e a mulher como objeto decorativo e servil. O modo como os jornais sensacionalistas, entre eles o , apresenta a figura feminina retroalimenta a desigualdade social de gênero e em nada contribui para o combate à violência contra a mulher.

Na edição de nº 223, do dia 26/01/2013, o jornal Já Paraíba traz entre as suas manchetes de capa o sequestro da estudante Fernanda Hellen, de apenas 11 anos, que foi encontrada morta no quintal de seu vizinho em abril daquele ano. Na edição de nº 217, de 19/01/2013, o noticia a fuga do ex-marido da professora Briggída Lourenço, Gilberto Stuckert Neto, acusado de matá-la em seu apartamento. Ao mesmo tempo em que traz em suas páginas informações sobre a violência contra meninas e mulheres na cidade de João Pessoa e o contato de serviços de apoio e denúncia às mulheres vítimas de violência de gênero, o Já Paraíba estampa em sua capa, acima da manchete sobre o caso Fernanda Hellen e da professora Briggída Lourenço, imagens de mulheres em poses apelativas, com os seios à mostra, sendo cobertos apenas por duas estrelas. Tal exposição mostra uma contradição do jornal, que denuncia a violência contra a mulher na Paraíba e, por outro lado, explora seus corpos como se fossem mercadorias, um fetiche sexual para o público masculino. A exibição de corpos de mulheres seminuas, com apelo erótico, mostrando-as “disponíveis” com textos convidativos aos homens, pode estimular a prática da violência contra a mulher. Em outra capa, desta vez do dia 22/12/2012, às vésperas do Natal, o Já Paraíba expõe a foto de duas mulheres vestidas de Mamãe Noel, “brincando” de olhar o que está escondido por dentro do vestido de cada uma. Tal imagem tenta trazer à tona a antiga fantasia masculina de ver duas mulheres tendo relações sexuais, ou, ainda, fazendo um ménage à trois, com a presença de um homem. Resta-nos a dúvida: é um jornal ou uma revista pornô?

Para a ex-deputada federal Maria do Rosário (PT), atual ministra da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, a exposição da mulher na mídia mostra a conivência dos meios de comunicação e, inclusive, da sociedade em geral, com a transformação da imagem e do corpo da mulher em mercadoria, num contexto fortemente erotizado. Após análise da exploração do corpo da mulher pela mídia, a ministra constatou que as formas de apresentação das mulheres estimulam a violência sexual por parte dos homens, conforme destacamos abaixo:

“Não sei se o que houve, em termos de comunicação, se foi planejado, ou se os setores que decidem sobre ela avaliaram alguma vez os efeitos dessa coisificação da mulher. (…) Desde grupos musicais até programas de televisão, os meios de comunicação de massa em geral construíram uma ideia da mulher a partir de partes de seu corpo. É bum-bum assim, é um seio desse ou daquele jeito, etc. absolutamente segmentado, cérebro e corpo.” (Maria do Rosário, entrevista a revista Carta Maior, 20/07/2004)

Beatriz Ribeiro, diretora executiva do Sistema Correio de Comunicação – sistema responsável pela produção do jornal Já Paraíba –, também é presidente da Fundação Solidariedade. A Fundação é defensora dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Ao todo são oito objetivos, que deveriam ter sido implementados até 2012 e revistos em 2015. Dentre estes objetivos, o de número três trata da igualdade entre os sexos e a valorização da mulher. A Fundação Solidariedade se coloca como determinada a cumpri-los; realiza diversos eventos para divulgar suas propostas e conseguir recursos e aliados. O mais recente deles aconteceu no dia 25 de abril, quando os deputados estaduais da Paraíba Daniela Ribeiro (PP), Toinho do Sopão (PEN) e Olenka Maranhão (PMDB) estiveram reunidos com a presidente da Fundação para firmar parceria e ações voltadas para defesa e ampliação dos direitos da mulher. Entre as linhas de atuação do grupo está o combate à violência contra a mulher. A deputada Daniela Ribeiro, que também é presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa do estado, afirma que a divulgação de projetos que beneficiem a mulher é fundamental para o cumprimento dos direitos. “Temos o exemplo da Lei Maria da Penha, que passou a ser aplicada depois de ampla divulgação nos meios de comunicação. Por isso, buscamos a parceria com a Fundação Solidariedade, instituição que nos ajudará a difundir os direitos da mulher na Paraíba” (portal Correio, 25/04/2013).

Resta-nos saber de que forma a Fundação Solidariedade pretende difundir os direitos da mulher no estado, bem como combater a violência que alcança índices preocupantes na Paraíba. Isto porque a presidente da Fundação e diretora-executiva do Sistema Correio, que produz o , são a mesma pessoa, e, como já foi dito anteriormente, o é um dos veículos responsáveis em difundir a violência simbólica contra as mulheres, na medida em que expõe seus corpos no jornal como mercadoria de consumo para o público masculino. O que vai totalmente contra o Objetivo do Milênio de número três. Diante deste quadro, devemos ficar atentos para saber se as Metas do Milênio serão de fato alcançadas na Paraíba.

Para Moreno (p. 2012), os meios de comunicação têm uma importância significativa para a formação da cultura e responsabilidade na implementação da equidade de gênero; consequentemente, na formação de uma sociedade democrática, igualitária e inclusiva. Pontos caríssimos à democracia de um país e que o Sistema Correio, assim como os parlamentares Olenka Maranhão (PMDB), Daniela Ribeiro (PP) e Toinho do Sopão (PEN) seguem na contramão.

Políticas públicas para as mulheres

Depois de vários anos de luta, foi realizada, em 2009, a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Nesta conferência, foram definidas as demandas para um novo marco regulatório das comunicações no Brasil. Em 2011, a cidade do Rio de Janeiro sediou o seminário “Marco Regulatório – propostas para uma comunicação democrática”, onde foi estabelecida uma plataforma com 20 propostas consideradas prioritárias na definição de um marco legal para as comunicações.

Entre estes 20 pontos, não há nenhuma recomendação que seja direcionada aos veículos de comunicação sensacionalistas impressos e o modo como mostram a imagem da mulher. Porém, nos pontos 13 e 14 da Plataforma, existem orientações para o respeito à diversidade étnico-racial, de gênero e orientação sexual, classes e de crença, e a criação de mecanismo de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos. O marco regulatório das comunicações é o documento mais recente que propõe meios para regulamentar artigos da Constituição Federal em relação à comunicação, seja em relação ao combate aos oligopólios, seja em relação ao conteúdo discriminatório que é veiculado pela mídia, que não vem cumprindo com sua finalidade educativa, cultural e informativa.

Em dezembro de 2011, aconteceu a III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, onde foi elaborado o III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, referendando as propostas aprovadas por quase 200 mil brasileiras na II Conferência, em 2008. O Plano 2 de Políticas para as Mulheres traz em seu eixo oito propostas em relação à Cultura, Comunicação e Mídia Igualitárias, Democráticas e Não Discriminatórias. Em seu objetivo geral, no ponto quatro, propõe: “Contribuir para elaboração de um marco regulatório para o sistema de comunicação brasileiro que iniba a difusão de conteúdos discriminatórios relacionados a gênero, raça/etnia, orientação sexual, e para a implantação de órgão executor desta finalidade”. (II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, p.27, 2008). Nas prioridades, o Plano estabelece: “Construir mecanismo de monitoramento e controle social dos conteúdos veiculados nos espaços de mídia e comunicação, assegurando participação ativa, constante e capilarizada da sociedade.” (II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, p.27, 2008). O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres já indicava propostas para o estabelecimento de um marco regulatório para as comunicações.

O Brasil possui inúmeros mecanismos para controle dos conteúdos de mídia que agridam a democracia e a igualdade de gênero, como também proponham políticas públicas para o enfrentamento efetivo à violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha – nº 11.340/2006). O que falta é que estas leis sejam colocadas em prática. Na Paraíba, não existe compromisso político para tornar efetivas as recomendações do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que propõem uma mídia igualitária e mecanismos de controle social. Em relação ao Marco Regulatório das Comunicações, a presidenta Dilma Rousseff não tem demonstrado interesse em debater com a sociedade, tão pouco efetivá-lo.

Os jornais sensacionalistas fazem parte de uma lógica da sociedade capitalista em que o lucro é o que interessa. Nesta seara, não importa os meios que serão usados para atingir os fins. E a figura feminina entra aí como mais um produto a ser utilizado para conseguir lucro. Os jornais populares, segundo Neves, têm uma grande importância, pois atingem a população que é excluída da informação e que não tem o hábito da leitura. Porém, não podem se valer desta máxima para divulgá-la de qualquer jeito, rasgando leis, normas, o código de ética dos jornalistas e convenções das quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção Cedaw), ou ainda a Conferência de Beijing, que propõe a governos e aos próprios meios de comunicação objetivos estratégicos e ações específicas para estimular, controlar e criar uma mídia que promova o crescimento digno da mulher.

A mídia é uma prestadora de serviço público, formadora de opinião, e, portanto, tem responsabilidade social sobre as informações e imagens que veicula.

“A mídia, quer seja considerada concessão pública, quer seja considerada propriedade privada, produz uma mercadoria de inegável impacto social no imaginário, nos desejos, nos hábitos, na cultura da população que atinge” (Moreno, p.221, 2012).

Diante disto, deve cumprir o seu papel, que também é educativo, e possuir um controle de qualidade, que seja feito não só pela própria mídia, como também pela própria sociedade civil. Os jornais populares podem veicular informações de qualidade, ter uma linguagem simples, mas que não reforce preconceitos de classe, gênero ou orientação sexual. Que não se utilize da imagem da mulher para poder atrair público e conseguir vender seu produto. Agindo desta forma, o jornalismo popular vai ter credibilidade para cumprir a função de colaborar com o crescimento intelectual das pessoas que são excluídas social e economicamente da sociedade.

A partir do momento em que jornais sensacionalistas como o colocam em suas capas corpos de mulheres em poses apelativas, sem fala própria, de maneira erotizada, realizam um retrocesso na luta de mais de 20 anos do movimento feminista, que tem como principal bandeira o direito das mulheres ao próprio corpo. A Lei Maria da Penha, que tem cláusulas de combate à violência contra a mulher, foi uma conquista árdua, de muito empenho e luta do movimento feminista. Ao passo que avançamos nos direitos humanos das mulheres, assistimos à violação de nossos corpos, seja de maneira física, seja de maneira simbólica, como no caso da mídia. Somos violentadas por sermos mulheres. Nosso corpo é agredido todos os dias, de várias maneiras.

“E difícil mudar os hábitos, imagens, estereótipos e preconceitos sem o concurso dos meios de comunicação, que poderiam ser aliados de peso. Mais difícil ainda é conseguir mudar os hábitos apesar de combatendo as imagens das mulheres veiculadas pela mídia – imagens carregadas e reprodutoras de preconceitos de gênero (…) Como concessão pública ou empresa privada, difusora de produtos culturais de grande alcance e impacto social, seria dever e responsabilidade social da mídia dirigir os seus esforços no sentido do efetivo cumprimento e adequado tratamento dos direitos humanos das mulheres – metas dos governos e dos países democráticos (…)” (Moreno, p. 221-222, 2012).

Conclusão

Os jornais populares ou sensacionalistas promovem um retrocesso em relação aos direitos humanos das mulheres. Infelizmente, a sua fórmula de venda e marketing tem conseguido alcançar êxito, consolidando este produto no mercado jornalístico, gerando lucros aos empresários que produzem este tipo de material.

O capitalismo transforma pessoas em mercadorias, e as empresas de comunicação, por fazerem parte deste sistema, não fogem à norma de fazer tudo para conseguir manter-se no mercado.

Conferências, Convenções e o próprio Marco Regulatório das Comunicações traçam uma série de recomendações para os meios de comunicação, orientando-os a não reproduzir os estereótipos que violentam as mulheres. A mídia tem, sim, responsabilidade no que transmite, por isto não deve se omitir ou fugir deste compromisso ético, para que mantenha a democracia e atue para o fim da violência de gênero. O controle social da mídia, proposto por diversas entidades, entre elas o Coletivo Intervozes e o próprio movimento feminista, não se configura como censura para a imprensa, mas, sim, o chamamento para esta mídia para com sua responsabilidade em relação às informações que faz circular na sociedade.

Outro meio com que podemos nos guiar para a promoção de uma mídia igualitária e inclusiva é indicado pelo educador Paulo Freire. Ele propõe uma comunicação horizontal, em que o indivíduo atue como sujeito político e social, e não como integrante de uma massa passiva, que absorve informações e não faz valer seu papel de cidadão, questionando aquilo que recebe.

Por outro lado, os jornais populares só conseguem atingir consideráveis índices de venda, além da receita já citada, devido à educação fragilizada de nosso país. E não porque o chamado “povão” gosta de ver sangue e mulher nua. A educação, que pode proporcionar uma leitura crítica da mídia, é o ponto fundamental para que possamos estabelecer uma imprensa livre de fato, e que não reproduza a violência simbólica contra mulheres, negros, indígenas, homossexuais e pobres.

Referências

MORENO, Rachel. A imagem da mulher na mídia – controle social comparado. São Paulo, Publisher Brasil, 2012

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Internet

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Mabel Dias dos Santos é jornalista