Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O retrato dos jornalistas no cinema

Existem filmes furiosos que – mirando a imprensa – pintam o diabo mais feio do que este o é na realidade. O perfil do jornalista na imaginação criativa do cinema se apresenta por meio de uma legião de personagens, cujo caráter e temperamento se mostram diferenciados, mas podemos perceber que são enfatizados os traços que possam atrair de maneira mais efetiva a audiência.

Como assim? O jornalismo sofre muitos estereótipos na ficção e, como consequência, na visão de muitas pessoas. Quase todos os jornalistas são exímios investigadores: se relacionam com fontes influentes, apuram arduamente, conseguem furos de reportagem. Então, temos a elaboração de perfis psicológicos, repertórios de linguagem e um conjunto de atitudes e comportamentos que deverão refletir a parte generosa e a parte egoísta dos seres humanos, os níveis elevados e os níveis mais rasteiros porque o diálogo entre os opostos pode gerar efeitos lucrativos junto ao espectador.

Todavia há narrativas mais ricas e outras mais pobres e cumpre averiguar como ali se reproduzem e se representam os estigmas, os preconceitos, os recalques, assim como as modalidades de esclarecimento, de autonomia e de liberdade. Ocorre o mesmo com relação à imprensa, enquanto instituição, ou como uma corporeidade midiática, que, quando representada (ou simulada) no cinema, não escapa dos esquemas ideológicos. O interessante é perceber como o cinema se estabelece enquanto uma espécie de observatório da mídia, mostrando que os processos jornalísticos e midiáticos são complexos.

Carga dramática

O jornalismo está inteiro no cinema. Quase todos os grandes diretores se ocuparam em retratá-lo: Frank Capra, William Wellman, Howard Hawks, Billy Wilder, Mervin Le Roy, John Ford, Alan Pakula, Orson Welles, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Elia Kazan, King Vidor, Samuel Fuller, Otto Preminger, Woody Allen, Robert Altman, Sidney Pollack, Stephen Frears. Grandes atores criaram jornalistas inesquecíveis: Humphrey Bogart, Kirk Douglas, Orson Welles, Jack Lemon, Paul Newman, William Hurt, Warren Beatty, Jack Nicholson, Marcelo Mastroianni, Nick Nolte, Robert Redford, Dustin Hoffman, Gene Hackman, John Malkovich, Julia Roberts, Michele Pfeiffer, Kim Bassinger, Faye Dunaway (Crista Berger, Jornalismo no cinema, 2002).

Há uma diversidade de filmes em que os jornalistas aparecem como investigador de crimes, e atribuí a sua apuração uma investigação mais profunda de certos casos, como retrata o filme O Custo da Coragem, de Joel Schumacher (Veronica Guerin, 2003).

O Custo da Coragem é um filme essencial para qualquer pessoa que deseja atuar como jornalista. E a razão é uma só: Veronica Guerin. Jornalista investigativa, Guerin é a prova de que nunca é tarde demais para ingressar a profissão (começou a atuar no ramo aos 30 anos de idade) e também de que a determinação de um único indivíduo é capaz de mover montanhas. Em extraordinária interpretação indicada ao Globo de Ouro, Cate Blanchett vive Veronica Guerin no período em que investiga avidamente os responsáveis pela distribuição de drogas em Dublin, na Irlanda, durante a década de 1990. As constantes ameaças só fortalecem a força desta mulher hoje considerada uma verdadeira heroína. Joan Allen já havia protagonizado a mesma história em Alto Risco. No entanto, temos esta versão dirigida por Joel Schumacher como a mais expressiva sobre Veronica Guerin.

Há um contingente significativo de filmes densos e com forte carga dramática, que se distinguem somente pelo enfoque.

Visibilidade radical

Há filmes que fazem exposição da figura dos jornalistas por meio de recursos sensacionais e espetaculares, tais como Um dia de cão (Sidney Lumet, 1975, com Al Pacino e Chris Sarandon), em que a imprensa televisiva torna o público cúmplice de um assaltante atrapalhado, engajado num roubo para pagar a operação do seu companheiro transexual. Em O todo poderoso (de Tom Shadyac, 2003, com Jim Carrey e Morgan Freeman), por exemplo, um jornalista desempregado encarna o próprio Deus e logo, irá manipular a tudo e a todos usando os poderes sobrenaturais. Já Entrevista com vampiro (Neil Jordan, 1994; adaptação do livro de Anne Rice) mostra um repórter ansioso por se tornar vampiro, em adquirir longevidade e poder. E, enfim a película O povo contra Larry Flint (Milos Forman, 1996, com Woody Harrelson e Courtney Love) mostra os transtornos na vida e na carreira do dono de uma revista prestigiada do mundo pornô.

Uma apreciação justa do mundo dos jornalistas e do jornalismo, na simulação cinematográfica, exige uma contextualização histórica, social, econômica e política. A clarividência do cinema reside em sua radical visibilidade, e é por aí que ele pode nos tornar melhor ou pior: não se trata apenas de um mero jogo de influência do meio sobre o espectador, na salinha escura durante a exibição de um filme; vamos nos enxergando por dentro, num interrupto jogo de espelhos, em que nos identificamos, renegamos, concordamos e simultaneamente discordamos da realidade e verossimilhança das imagens mostradas; o fato é que ali se realiza uma experiência de simbiose total, em que camada após camada de significação fílmica vai mexendo com as nossas sensações, afetos e sentimentos.

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Amanda Kelly Santos de Santana é jornalista