Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As duas faces do evento

Mais de duas semanas depois de encerrada a Copa do Mundo realizada no Brasil, com a cabeça e ânimos mais frios, aceito o desafio de fazer sua avaliação da forma mais equilibrada possível, mostrando as duas faces do evento, da mais serena e objetiva. Nós, jornalistas, somos, com frequência, tentados a mostrar apenas uma das faces de um problema – seja a face negativa ou a positiva – o que compromete a isenção da análise ou da opinião. A seguir, seleciono dez aspectos positivos e dez negativos da Copa encerrada no dia 13 de julho de 2014.

Comecemos pelos aspectos positivos:

1. O melhor do País. As belezas naturais e a diversidade cultural do Brasil foram outro destaque apontado por grande número de visitantes, que aqui vieram pela primeira vez na Copa.

2. Hospitalidade. Na avaliação dos estrangeiros que vieram para a Copa, as duas maiores qualidades do brasileiro foram, de longe, a hospitalidade e a alegria. Por isso, a maioria desses turistas diz que deverá retornar.

3. Comida gostosa. A cozinha mineira, o pão de queijo e as frutas tropicais fizeram sucesso e agradaram ao gosto estrangeiro. Até os argentinos elogiaram a comida brasileira.

4. Coisas que funcionaram. Descontados alguns pequenos problemas, tudo funcionou bem. Os estádios e o bom acesso do público foram os pontos altos da logística e da infraestrutura, assim como a qualidade dos gramados e da iluminação – sem apagões. O acesso ferroviário em São Paulo surpreendeu positivamente a todos.

5. As telecomunicações. A internet e o celular não nos envergonharam: funcionaram bem. Mais de 48,5 milhões de fotos e milhares de ligações telefônicas foram transmitidas dos estádios durante os 64 jogos desta que poderia ser chamada de “Copa das Selfies”. Nessa mesma partida final, segundo escreveu ontem, 14 de julho, o jornal britânico Financial Times, “o verdadeiro vencedor da Copa do Mundo foi o Twitter, com um recorde de 618.725 mensagens (twitts) por minuto”.Apenas durante a partida final, Alemanha vs. Argentina, no Maracanã, segundo o jornal britânico Financial Times, “o verdadeiro vencedor da Copa do Mundo foi o Twitter, com um recorde de 618.725 mensagens (twitts) por minuto”. Apenas durante a partida final, no Maracanã, entre Alemanha e Argentina, foram feitas 71 mil ligações telefônicas e o volume de tráfego de dados equivalente a 2,6 milhões de fotos, com tamanho médio de 0,55 megabyte (MB). Nessa mesma partida final, segundo escreveu ontem, 14 de julho, o jornal britânico Financial Times, “o verdadeiro vencedor da Copa do Mundo foi o Twitter, com um recorde de 618.725 mensagens (twitts) por minuto”.

6. O grande show de imagens. As transmissões de TV desta Copa superaram as de todas as anteriores, até porque a maioria dos 2 bilhões de telespectadores de todo o mundo viram os jogos com a melhor tecnologia digital e com imagens de alta definição. A geração de imagens, a cargo de empresa contratada pela FIFA (a HBS – Host Broadcast Services), com quase 40 câmeras, mostrou todos os ângulos possíveis, inclusive com a beleza dos destaques em super slowmotion. Os telões dos estádios foram um sucesso para centenas de pessoas que viram sua cara e suas emoções ampliadas e transmitidas para o mundo. A tecnologia dos sensores no tira-teima dos gols garantiu um pouco mais de precisão para as arbitragens. Vale lembrar, também, que a infraestrutura de telecomunicações do País permitiu que as imagens enviadas ao mundo mostrassem não apenas o evento mas, como pano de fundo, um retrato atual do Brasil moderno, pouco conhecido em grandes eventos.

7. Repercussão mundial. Sem as esperadas manifestações violentas e agressões a torcedores pacíficos, a repercussão internacional da Copa superou as expectativas, o que deve ter contribuído para melhorar a imagem do País no mundo e para atrair turistas ao País.

8. A torcida brasileira. O entusiasmo, o apoio e a paixão da torcida pela Seleção superaram de longe o desempenho da equipe nacional. E, diante da derrota brasileira, essa mesma torcida foi capaz até de aplaudir o mérito dos campeões alemães.

9. O Hino Nacional à capella. Foi emocionante ver e ouvir a torcida cantar o Hino Nacional em diversos estádios.

10. O exemplo da Alemanha. A Alemanha encantou a população. Jogadores, dirigentes e torcida eram um exemplo de bom relacionamento e respeito pelo país anfitrião. Em Santa Cruz Cabrália, no litoral da Bahia, buscaram fazer amigos até entre os índios Pataxó. E, mesmo depois de impor uma goleada acachapante, mantiveram o respeito pelo Brasil e por sua seleção. Um exemplo de profissionalismo. Por isso, foram aplaudidos até pela torcida brasileira.

Vejamos agora o reverso da medalha, a face negativa do megaevento.

1. Planejamento e execução. Mesmo dispondo de sete anos para preparar o evento, o País deixou muita coisa para a última hora e acabou por concluir tudo às pressas: o planejamento, a administração e a realização dos estádios e da infraestrutura foram muito ruins.

2. Megalomania. A megalomania levou o Brasil a realizar a Copa em 12 cidades, quando poderia fazê-lo em 5 ou 6. Com isso, construíram-se estádios caríssimos que terão pouca utilização futura, como em Manaus, Cuiabá ou Natal.

3. Gastança. Como acontece em quase todas as obras públicas, os gastos foram muito superiores às estimativas iniciais, com fortes suspeitas de superfaturamento. Estádios orçados inicialmente em R$ 400 milhões custaram quase R$ 1 bilhão – como foi o caso da Arena Corinthians. Um país sério faria a auditoria rigorosa para apurar os gastos.

4. Subserviência à FIFA. O governo brasileiro curvou-se servilmente à FIFA, uma entidade sabidamente bilionária e sobre a qual pesam muitas acusações de corrupção. O País revogou leis, submeteu-se a exigências absurdas, como os preços dos ingressos e concedeu até isenção de impostos, o que aumentou os lucros da FIFA em quase R$ 1 bilhão. Um artigo do jornal New York Times chegou a perguntar: “Por que não fazer uma Copa do Mundo sem a FIFA?” Eis aí uma grande sugestão.

5. “Chute no traseiro”. Diante de tantos atrasos nas obras da Copa, um dirigente da FIFA chegou a sugerir “um chute no traseiro” das autoridades brasileiras. Embora houvesse um caminhão de razões para a advertência, a expressão é inadmissível na boca de um cartola estrangeiro.

6. Desrespeito ao Hino Nacional. Como um dos símbolos nacionais mais importantes, o Hino Nacional não pode ser cortado ou reduzido a um pedaço quando executado em cerimônia pública, em solo brasileiro. Nos jogos da Copa, entretanto, ele foi reduzido a um quarto de sua duração por imposição da FIFA. Nenhuma autoridade brasileira exigiu o respeito ao Hino. Felizmente, a torcida deu a resposta emocionante de prosseguir até o final do Hino, à capella.

7. A politização do evento. O governo federal insistiu em transformar a Copa em evento de propaganda política e triunfalista – mesmo diante de todos os problemas. Aos críticos, a resposta sempre foi a de que os opositores eram “espírito de porco”, “derrotistas” e que sempre “apostaram no pior”. E a presidente da República ainda fez um balanço ufanista e comemorou, em reunião ministerial, a realização no Brasil da “Copa das Copas.

8. A Seleção envergonhou. A Copa do Mundo no Brasil provou que a Seleção Brasileira não estava à altura de seus maiores rivais. Mesmo assim, no desastre diante da Alemanha, foi prestigiada e incentivada pelo menos até os 30 minutos do primeiro tempo, quando já perdia por 5 a 0. Daí para frente, depois de algumas vaias, os torcedores passaram a aplaudir os alemães e os gols restantes até os 7 a 1. Um grande fairplay. A mim, o que mais comoveu foi a imagem do choro de garotos diante da derrota, em especial porque eles nunca tinham visto o Brasil ser campeão.

9. Único desrespeito da torcida. O lado mais negativo do comportamento (de parte) da torcida foi a agressão à presidente da República, na Arena Corinthians, ao gritar em coro uma frase chula, em lugar de lhe dedicar apenas a vaia, como já se tornou tradicional no Maracanã.

10. Um legado duvidoso. Até que o País faça a contabilidade do evento e se apure o saldo de todos os lucros e perdas, o legado da Copa nos parece uma grande dúvida. Depois desse balanço, a dúvida talvez se transforme numa grande dívida.

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Ethevaldo Siqueira é jornalista especializado em Tecnologias Digitais, comentarista da Rádio CBN e editor do portal www.telequest.com.br; tem 12 livros publicados sobre novas tecnologias da comunicação e da informação