Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Peça e depoimentos para discutir o jornalismo

Acostumado a colocar doses de realidade em suas obras de ficção, Jorge Furtado agora trabalha o contrário. Em “O mercado de notícias”, seu primeiro documentário propriamente dito, em cartaz no Rio, São Paulo e outras capitais, o cineasta gaúcho analisa o jornalismo brasileiro, usando como pauta cenas de uma peça homônima escrita pelo dramaturgo inglês Ben Jonson, em 1625, na qual esbarrou ao pesquisar a história da comunicação.

– É um texto muito atual, apesar de ser de 1625. E isso porque o primeiro jornal surgiu na Inglaterra apenas três anos antes. O Ben Jonson debate a relação com as fontes, o financiamento da notícia, o rico que quer aparecer de qualquer jeito, tudo o que existe até hoje. Então decidi fazer um paralelo, convidei uma amiga (a professora Liziane Kugland) e fizemos a primeira tradução da peça para o português, um trabalho que durou três anos. Chamei atores para encenar o texto e o uso trechos no documentário – conta o diretor do premiado curta “Ilha das Flores” (1989) e dos longas de ficção “O homem que copiava” (2003) e “Saneamento básico” (2007). – Sempre promovi esse embate entre a ficção e a não ficção nos meus outros trabalhos como diretor. Qual representa melhor a realidade? Minha definição de documentário é “aquele filme em que o realizador afirma que aquilo é um documentário”.

Ex-estudante de Jornalismo “viciado por notícia”, e que costuma comentar (e criticar) a imprensa no blog que mantém no site da Casa de Cultura de Porto Alegre, Furtado convidou 13 jornalistas, como Geneton Moraes Neto, da TV Globo, Janio de Freitas, da “Folha de S.Paulo”, e Mino Carta, da “Carta Capital”, para discutir os princípios básicos da profissão em depoimentos sempre entremeados pelas cenas escritas pelo dramaturgo contemporâneo de Shakespeare.

– Quando a internet começou a transformar não só o cinema, mas a TV, a indústria fonográfica e também o jornalismo, muita gente disse que não iríamos mais precisar do jornalismo porque todo mundo tem blog, Facebook, Twitter. Minha sensação foi exatamente oposta. Eu acho que, agora, mais do que nunca, a gente precisa do jornalista profissional, que tenha um compromisso com a verdade. Fui então estudar a história do jornalismo e vi que essa transformação de hoje é muito semelhante à do surgimento da imprensa, que o Ben Jonson retrata muito bem.

Além da encenação e dos depoimentos – disponíveis no site do documentário, Furtado também arregaçou as mangas e fez pequenas reportagens sobre episódios delicados da atuação da imprensa. O cineasta relembra, por exemplo, a cobertura de denúncias de pedofilia na Escola Base, em São Paulo, caso que viria a se revelar uma farsa.

– Selecionei situações que acho exemplares. A Escola Base é um caso extremo do poder de um erro jornalístico, usei para mostrar o que acontece quando a imprensa não busca se certificar da veracidade das informações e o que isso pode causar. A história do suposto quadro do Picasso no INSS é uma cruzada pessoal (em 2004, foi noticiado que uma tela do artista teria sido descoberta na sede do órgão em Brasília). Percebi que aquele quadro que estava sendo tratado como verdadeiro era uma reprodução, pesquisei, procurei jornalistas, e ninguém me deu bola. Então, fiz um post no meu blog. Só voltei ao assunto agora.

Apesar do tom crítico evidenciado pelos temas escolhidos, o cineasta jura que o documentário é uma ode ao jornalismo.

– Chamei profissionais que admiro. E queria ouvir gente de vários veículos, críticas ao governo, opiniões de todos. Tentei fazer com que o filme não fosse muito petista, mas talvez não tenha conseguido. Juro que procurei um episódio em que o Fernando Henrique Cardoso tivesse sido injustiçado pela mídia e não achei. Queria que o filme fosse bem amplo, porque mesmo que eu tenha minhas convicções, acho que na democracia temos que conviver com opiniões diferentes para crescer – justifica Furtado, que acrescenta:

– Esse é um documentário com uma visão muito pessoal minha do jornalismo porque acho que todo filme tem que ser uma reflexão pessoal. E eu dou a cara a tapa, eu apareço em cena, o filme abre comigo na tela. É a minha visão.

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Liv Brandão, do Globo