Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os destrambelhados da mídia e seus luminares

A sucessão de episódios de total destempero e reações desproporcionais de vultos (no sentido de “imagem”, “figura indistinta”) da mídia em relação à realidade do país e a divergências democráticas de opinião suscita uma reflexão de cunho mais geral do que a apreciação deste ou daquele caso recente que ganhou notoriedade.

Aparentemente, se pode dividir certo grupo dessas figuras midiáticas em duas camadas: os censores do pensamento progressista e seus seguidores, que, a seu modo, simplificam, se é que isso é possível, as manifestações daqueles e as defendem como as únicas válidas e admissíveis para interpretação das complexas relações sociais e históricas do Brasil contemporâneo. Na ordem inversa da sua apresentação, passemos a chamá-los de os destrambelhados da mídia e seus luminares.

O traço comum entre os “luminares” é seu senso manifesto de grandeza e auto-importância, de entenderem-se analistas que dirigem seu pensamento e propostas a questões consideradas graves, por eles, naturalmente. Grande parte do discurso é baseada em alertas sobre o caos, a crise insuperável, a tragédia completa, que se avizinha inexoravelmente por conta daquilo e por culpa daqueles a que dirigem seus julgamentos.

Na sequência, outras figuras que igualmente se levam muito a sério, bem como àquilo que fazem, percebem esta gravidade como atrativa e como uma fundamentação intelectual para seu comportamento destrambelhado em relação aos temas de interesse propostos pelos membros da camada analítica do grupo.

Xingamentos em 140 caracteres

Os traços em comum entre as duas camadas são a incoerência, a falta de sinceridade e uma ignorância deliberada sobre certos fatos e aspectos do dia a dia, os quais compõem uma tendenciosa e parcial negação da realidade. A incoerência, por exemplo, é o fator que autoriza um “luminar” a fazer, numa noite, uma apreciação acerba sobre um grande movimento social de rua e, apenas quarenta e oito horas mais tarde, saudar o mesmo movimento como alvissareiro. A falta de sinceridade, por seu lado, licencia um outro a se respaldar da acusação de reacionário burro com base nalgum artigo antigo, publicado em qualquer espaço de pouco reconhecimento e limitada difusão.

Já a ignorância deliberada, como se sabe, valida toda a série de comentários adversativos que se têm visto sobre seja lá qual for o fato e os números divulgados a respeito de qualquer tema de incremento econômico ou aperfeiçoamento de equilíbrio de direitos sociais no país.

Em essência, a diferença entre os destrambelhados e seus luminares é apenas o campo de atuação e as ferramentas utilizadas, as quais variam de colunas, comentários e artigos em grandes meios de comunicação a auto-entrevistas, esquetes preguiçosos e grosseiros, na internet ou televisão, bem como xingamentos escritos em cento e quarenta caracteres.

Palpites e faniquitos

Mas o ânimo é um só. Isto é: o famigerado “contra tudo isso que está aí”.

Quando se junta com esse ânimo a gravidade da qual este grupo julga estar coberto obtém-se uma síntese alquímica derramada há anos, todos os dias, tendenciosamente, sobre a realidade do Brasil: o viralatismo. A gravidade, já ensinou um grande mestre, puxa para baixo.

Esse parece ser o verdadeiro estilo dos destrambelhados e seus luminares, mesmo que em termos filosóficos ou ideológicos ele se afigure ininteligível e inconsistente.

Talvez por isso muitos deles defendam o chamado fim das ideologias. Pois parece que todas suas forças voltadas aos embates a que se dedicam tem sua origem muito mais numa pré-disposição, num ânimo negativista e reativo, num mau humor carregado de ressentimento, do que num conjunto de ideias estruturadas sobre o mundo.

Foi a ideologia deles que acabou e foi substituída por esse jorro fluido de palpites e faniquitos que pode ter a densidade que se deseje, mas que, provavelmente, deve ser algo entre a da água e a do esgoto.

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Cesar Monatti é aposentado