Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ex-locutor do Taleban comanda maior TV afegã

Em março de 2001, a voz de Massood Sanjer comunicou ao mundo que o líder supremo do Taleban, mulá Omar, havia ordenado a destruição dos budas gigantes de Bamiyan, no que se transformou em um dos principais símbolos da intolerância e extremismo do grupo islâmico que governou o Afeganistão por quase seis anos.

Sanjer era o locutor do serviço em inglês da Voice of Sharia – a versão local da Voice of America –, um boletim diário de 15 minutos que transmitia a visão oficial do Taleban. “Quando recebi o texto, não acreditei e fui falar com meu superior, que telefonou para o ministro da Informação. Depois de confirmar a ordem, ele disse que era verdade e o texto deveria ser lido como enviado”, lembrou Sanjer em entrevista ao Estado na sede da TV Tolo, a primeira emissora comercial do Afeganistão, que detém 54% do mercado.

De 1996 a 2001, ele foi a voz do Taleban em inglês. Nesses seis anos, o Afeganistão mergulhou em um blackout de informação. A rádio oficial era a única fonte de “notícias” e a população foi proibida de ver TV, fotografias e de ir ao cinema.

Na interpretação radical do Alcorão feita pelo mulá Omar e seus seguidores, imagens humanas eram contrárias ao Islã, por supostamente permitirem o culto a ídolos. Essa foi a lógica que levou à destruição dos budas de Bamiyan, apesar dos apelos mundiais para que as estátuas fossem preservadas.

“Foi um dia sombrio para o Afeganistão”, afirmou Sanjer, que deixou de ser o locutor do Taleban em 2001, quando o regime chegou ao fim, para se transformar no mais bem sucedido executivo da nascente indústria de mídia e entretenimento que está transformando o país.

Testando limites

Além de ser diretor-geral do grupo que controla três emissoras de TV e uma rádio FM, Sanjer é apresentador do mais popular programa de rádio de Cabul, a capital do Afeganistão, O jornalista de 36 anos recebe denúncias de corrupção e revela informações que o governo gostaria de manter longe dos ouvidos do público.

O mais recente furo de Sanjer foi o caso de estupro coletivo de quatro mulheres que catalisa a atenção dos afegãos. “Nós recebemos a informação de um ouvinte, mas a polícia negava que o crime tivesse ocorrido”, disse Sanjer, que confirmou o fato com diferentes fontes.

No início de setembro, os sete homens responsáveis pelo estupro foram condenados à morte – anteontem, uma corte de apelação reduziu a pena de dois deles para 20 anos de prisão.

Com 800 empregados por todo o país, a TV Tolo tem instalações rudimentares em Cabul, onde funciona em duas casas – uma para o jornalismo e outra para o entretenimento. Mas seu crescimento foi exponencial desde sua fundação, há dez anos. Com a deposição do regime por tropas estrangeiras, em 2001, o ex-locutor tornou-se produtor em Cabul da Fox News, a mais conservadora emissora de TV dos EUA.

De lá, embarcou na empreitada da TV Tolo, fundada em 2004 pelo afegão-australiano Saad Mohseni, que voltou a seu país depois da queda do Taleban.

A emissora testa os limites do conservadorismo islâmico com a transmissão de novelas turcas e indianas nas quais mulheres aparecem sem véu e com roupas que revelam mais curvas que o aceito nas ruas de Cabul. Em 2010, Mohseni lançou o ToloNews, um canal de notícias 24 horas por dia dedicado a questões políticas, econômicas, internacionais e sociais – algo radical quando comparado à única emissora de rádio do Taleban.

“A televisão está mudando o país de várias maneiras, fazendo com que as pessoas pensem além dos limites tradicionais da geografia, família e etnia”, afirmou Lotfullah Najafizada, que aos 26 anos dirige a ToloNews.

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Cláudia Trevisan, do Estado de S.Paulo, em Cabul