Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Qual o motivo dos ataques da imprensa à Petrobras?

Uma pergunta que deve ser feita por qualquer brasileiro é o motivo pelo qual a imprensa, especialmente os grandes meios de comunicação, historicamente vinculados ao poder e à direita, tem direcionado constantes ataques à Petrobras.

Será que de fato existe alguma onda de corrupção criada pelo PT, como afirmarão alguns ingênuos, que veem o Jornal Nacional como fonte de informação? Será que um corrupto assumido, como Paulo Roberto da Costa, um mero servidor público que chegou rapidamente às principais capas de jornais e revistas, teve uma crise de consciência ética? Qual é o motivo de tantas denúncias realizadas no picadeiro diário dos nossos meios de comunicação?

Inicialmente, é necessário afastar um mito. Não existe imprensa isenta, sem posição e sem nenhum comprometimento político ou ideológico. Esse discurso é verdadeiro como uma nota de sete reais. Como já afirmara Antônio Gramsci, nos seus Cadernos do Cárcere, com absoluta lucidez, a imprensa também é uma forma de partido. Aliás, a própria Maria Judith Brito, ex-presidenta da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S.Paulo, declarou de forma literal ao jornal O Globo: “Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.”

Até aí, nenhuma novidade. O que surpreende foi a sinceridade da executiva da Folha de S.Paulo, jornal este que foi omisso em relação a todos os crimes praticados pelas forças armadas e pela polícia durante a ditadura militar.

Dezenas de empresas públicas foram vendidas

Se fizermos uma leitura rápida apenas das principais revistas semanais de grande circulação chegaremos ao seguinte balanço: a revista Época, vinculada às Organizações Globo, é indiscutivelmente tucana; a revista IstoÉ possui relações bastante próximas ao PSB, de Eduardo Campos e Marina Silva, embora às vezes (muito raras) tente assumir uma posição autônoma; a Veja, de todas, com certeza a de menor credibilidade, veste qualquer roupa, desde que seja da direita, preferencialmente a mais reacionária ou conservadora – poderíamos classificá-la como uma mistura entre o DEM e o PSDB; a Caros Amigos é de esquerda até no nome, algo louvável de tão transparente. Resta-nos a CartaCapital, onde o seu editor, o nobre Mino Carta, declarou abertamente o voto em Dilma Rousseff (PT), mas ainda acho exagerado vincular a revista ao Partido dos Trabalhadores, pois ainda mantém o senso crítico, algo imperceptível na maioria dos semanários.

Como se observa, todos os veículos de comunicação possuem um lado, alguns com mais transparência, outros com nenhuma. Portanto, é sempre necessário manter o senso crítico em relação ao conteúdo das publicações, para não virar um Homer Simpson ou uma velhinha de Taubaté (personagens que acreditam em tudo que veem e ouvem, no caso do americano Homer, especialmente na televisão). Daí volta a pergunta, qual é o motivo dos ataques sistemáticos à Petrobras? Uma pista importante poder ser encontrada no dia 08 de setembro de 2014, na bolsa de valores, dois dias depois da Veja publicar uma lista de supostos envolvidos com o astro principal da novela, o conhecidíssimo Paulo Roberto da Costa. Após uma semana de relativa alta, as ações caíram 4,91%, mantendo a tendência de queda durante toda a semana.

Mas é a relação entre a manchete de uma revista semanal com editorial esquizofrênico e a queda de ações da Petrobras na Bolsa de Valores? Não é apenas mais um escândalo de corrupção, dentre tantos outros que são publicados para levantar a vendagem deste tipo de revista? Para qualquer incauto, poderia ser, mas se fizermos uma viagem até a década de noventa, será possível ter absoluta certeza de que as coisas não são bem assim. Naquela época, havia uma onda sem precedentes de venda do patrimônio público, as chamadas privatizações. Foi um período que marcou o final do governo Collor de Mello e toda a gestão de Fernando Henrique Cardos (PSDB), hoje o principal responsável pela aproximação política entre Marina Silva e Aécio Neves.

Seus principais personagens hoje ocupam a “respeitável” condição de analistas convidados da Rede Globo, ou são fiadores programáticos de Marina Silva e Aécio Neves: Armínio Fraga, Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende (um dos principais assessores de Marina), dentre outros. Neste período foram vendidas dezenas de empresas públicas e o controle acionário de sociedades de economia mistas, tudo financiado com dinheiro público. O BNDES, que hoje financia grandes projetos de infraestrutura, na década de noventa repassava um volumoso aporte de recursos para a compra do patrimônio público pelo capital privado ou, até, por estatais europeias. Vejam as obras de Aloisio Biondi e de Amaury Riberio Júnior, onde tais processos ficarão bem claros.

A ascensão de Paulo Roberto da Costa

Tivemos a venda de todo o complexo siderúrgico, especialmente da Companhia Siderúrgica Nacional, fundada por Getúlio Vargas, de todo o sistema de telefonia (não antes de este segmento receber uma grande atualização tecnológica, o que criou a falsa impressão de que as privatizações melhoram as telecomunicações), a venda da Rede Ferroviária Federal S. A., de alguns bancos e várias outras medidas no mesmo sentido. Além dos financiamentos do BNDES, outros agentes fundamentais na onda de privatizações foram os fundos de pensão dos servidores públicos, sendo que muitos destes trabalhadores foram demitidos na onda de privataria, alimentando o gigantesco quadro de desemprego que vigia na época, dada a ortodoxia financeira. O índice de desemprego aberto, na década de noventa, batia na casa dos 20%, e o salário mínimo sonhava em atingir o simbólico valor de US$ 100,00 (cem dólares).

Mas de todas as transações da onda de privatizações, a mais escandalosa, com certeza, foi a transferência do controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce, a maior produtora de minério do mundo, para o Consórcio Brasil (formado pela CSN privatizada, pelo grupo Bradesco, e pelo Fundo Previ). Na época o leilão estava estimado em R$ 92 bilhões de reais, mas o controle foi repassado ao grupo privado por apenas R$ 3,3 bilhões, ou seja, um valor 28 vezes menor em relação ao previsto inicialmente.

Mas a privatização não ficou restrita ao patrimônio público, também foi realizada uma contenção de investimentos na área de saúde, com o incentivo aos planos de saúde, e uma tortura diária com o risco de privatização das Escolas Técnicas e das Universidades Federais. O ensino técnico foi fragmentado e perdeu toda a sua base de composição humanística. Quem ler o Plano Diretor de Reforma do Estado no seu formato puro verá que a proposta principal era transformar as universidades, escolas técnicas (hoje Institutos Ferais de Educação Tecnológica) e os hospitais públicos em organizações sociais. Traduzindo, transferir os serviços sociais para a estranha neologia da iniciativa privada de interesse social. Qualquer semelhança com os casos de escassez financeira da USP, Unicamp e da Unesp, não é mera coincidência, e sim reprodução de modelo FHC em São Paulo.

Com exceção dos três grandes agentes financeiros (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o nosso BNDES), apenas uma grande empresa com controle acionário público foi mantida: a sociedade de economia mista Petrobras. Só por curiosidade, nesta mesma época o desconhecido empregado público Paulo Roberto da Costa subia na sua carreira e passava a ocupar espaço no campo das atividades comerciais da empresa. Tal processo não teve continuidade por dois fatores: 1º) a grande mobilização social em torno da Vale do Rio Doce atrasou o andamento da política de privatizações; 2º) a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Nenhum parlamentar do PSDB ou do DEM na lista

Antes da campanha eleitoral, a empresa já possuía até um novo nome comercial Petrobrax, e demonstrando que os caminhos estavam desenhados. Ou seja, numa eventual eleição do ex-ministro do Planejamento de FHC, José Serra, a Petrobras seria privatizada. Hoje, seguindo um caminho contrário, a Petrobras mantém controle público e se constituí não apenas na maior empresa petrolífera da América Latina, mas numa das maiores do mundo, disputando espaço com as gigantes norte-americanas, russas e chinesas.

Além disso, a Petrobras é a principal mola para alavancar os projetos do pré-sal, de onde teremos recursos para promover uma verdadeira revolução nos campos da saúde e da educação. Logo, não é mais um patrimônio a ser jogado fora, mas uma fiadora do futuro! Tamanha é a importância da Petrobras para a economia brasileira, que um dos primeiros escândalos fabricados pela imprensa foi a compra da Refinaria de Pasadena nos Estados Unidos. O que ficou escondido na informação repassada pelo cartel Veja-Globo-Folha-Estadão, foi o fato de o Brasil ter fincado as suas bases de atuação no maior mercado consumidor de petróleo e maior economia do planeta, num resenho completo da geopolítica-estratégica proposta nos anos noventa.

A empresa estatal, que no período FHC era considerada como deficitária e desprezível, símbolo do atraso, hoje é a principal fiadora do nosso desenvolvimento energético e ponta de lança na expansão da influência econômica do país no mercado internacional. Logo, há algo mais na divulgação seletiva de nomes da lista da figura “altamente confiável” de Paulo Roberto da Costa. Diga-se de passagem, sem nenhuma base material que dê sustentação à onda de denuncismo.

Pergunto, se o novo astro da mídia de direita já atuava na área comercial da Petrobras desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, por que não tivemos listado o nome de nenhum parlamentar do PSDB ou do DEM? Será que o personagem em questão se tornou desonesto e constituiu a sua fortuna no exterior de uma hora para a outra? Será que não teve nenhuma participação na onda de privatizações da década de 1990?

A lógica do privatismo

Bom, se para José Serra a formação de cartel é uma medida comum no mercado, para a Veja, a Globo, a Folha e o jornal Estado de S. Paulo, não há necessidade de demonstrar provas concretas das suas denúncias. A liberdade de imprensa e o direito ao sigilo da fonte são considerados alvará de irresponsabilidade. A verdade é que não estamos apenas diante de uma tentativa de desgastar o governo, o que já se mostrou ineficaz em outras oportunidades, pois sempre que defrontado com problemas de corrupção, a atual gestão nunca jogou a lama para debaixo do tapete, mas ao contrário, sempre puniu os responsáveis. O alvo de todas as denúncias é a própria estatal petrolífera!

Todas as vezes que as ações da Petrobras são derrubadas na Bolsa, perde-se uma fortuna muitas vezes maior do que os desvios da patética figura de Paulo Roberto da Costa. A empresa também perde credibilidade e, principalmente, capacidade de investimento. Na onda do quanto pior melhor, típico de quem não a menor responsabilidade com o desenvolvimento do país, o alvo de determinados grupos de imprensa é a possibilidade de o Brasil avançar social e economicamente com a utilização dos recursos do pré-sal.

Então, estes ataques constantes realizados por determinados grupos midiáticos não são direcionados apenas ao governo, como atestou a presidenta da Associação Nacional dos Jornais, mas à nossa economia, ou melhor, ao nosso modelo econômico. Será muito mais fácil vender uma empresa com capital reduzido, do que uma potência econômica como hoje a Petrobras se apresenta. O processo eleitoral não envolve apenas uma disputa pelo poder central do Estado, mas de diretrizes econômicas e da nossa própria soberania como nação.

Assim como Aécio e Marina Silva defendem o tripé do arrocho econômico e a independência do Banco Central, também acenam para uma nova onda privatista. Dar um tempo no pré-sal e focar o ódio político na Petrobras, é apenas mais um passo para vender a rentável empresa estatal a preço de bananas ao capital internacional.

A experiência da Vale do Rio Doce já comprovou que esta não é uma medida difícil para os defensores da lógica do privatismo, pois a Petrobras é uma sociedade de economia mista. Basta apenas a vendas de algumas ações, para derrubar toda a onda progressista dos últimos doze anos, e jogar pela janela o nosso futuro político, social e econômico!

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Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais