Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Eles lutam e morrem. Elas lamentam os mortos’

Sueca estava no Iraque antes de vir ao Rio para conferência. Radicada em Londres, ela roda o mundo fazendo fotos de homens e mulheres em áreas de conflito

“Tenho 33 anos e sou meio britânica, meio sueca. Trabalho como fotógrafa para revistas como ‘National Geographic’. Vim ao Rio para falar no TED Global sobre minha experiência com imagem e meu recente trabalho na Ucrânia, chamado ‘Maidan – Portraits of the Black Square’”

Conte algo que não sei.

Anastasia Taylor-Lind – Dias atrás eu estava no Iraque tirando fotos das mesmas mulheres que fotografei há 11 anos. São guerrilheiras dos peshmerga que lutam contra o Isis (Estado Islâmico). Há uma década, eram um exército de guerrilha que lutava contra Saddam com apoio dos americanos e britânicos. Das que conheci no passado, encontrei duas, no mesmo posto do Curdistão. Hoje são mais como um exército regular. Usam roupas camufladas, mas suas armas ainda são kalashinikov russas.

E na semana anterior?

A.T.L. – Estava no Afeganistão, fotografando mulheres que vacinavam crianças contra a polio. O Talibã havia banido a vacinação, então o clima estava tenso.

Você vê avanços no papel da mulher em diversos setores?

A.T.L. – Sim. Eu sou uma fotógrafa que trabalha em conflitos. Uma indústria tradicionalmente de homens. Eu vejo, todos os dias a mulher com mais relevância na sociedade.

Das pessoas que fotografou de quem se lembra mais?

A.T.L. – Muitas. Camila Naprous. Ela trabalha como mestra de cavalos para filmes de Hollywood. Já ouviu falar na série Game of Thrones? Ela tem 27 anos, é gay e é a mestra de cavalos da série. Precisa ganhar o respeito desses profissionais supertalentosos de uma indústria dominada por homens. Ela desafiou os estereótipos.

Qual a diferença entre fotografar homem e mulheres?

A.T.L. – É a mesma coisa. Na Ucrânia, na revolução de Maiden, eu montei um estúdio no meio das barricadas. Então a maioria era de homens. Eles lutam mais guerras e morrem mais. E elas cuidam dos feridos e lamentam os seus mortos.

Você sente falta de seus momentos em guerra, quando está no Rio, por exemplo?

A.T.L. – Aqui é tipo férias, né? Eu fico muito tempo entre os dois. Recentemente estive no Sul da França, na Ucrânia, na Itália. Eu não sinto falta dessas situações, mas me sinto muito feliz quando estou nelas. Na Ucrânia, eles não eram revolucionários, agora são e lutam contra os ricos. Mas no Leste também, os mineiros que não eram revolucionários e se sentiram marginalizados agora lutam contra o governo. Todos têm os seus motivos.

Está fotografando o Rio?

A.T.L. – Só com meu iPhone, não trouxe o equipamento. Eu publico às vezes as fotos que tiro com ele. Em maio eu estava no Brasil, no Pantanal. Mas na ocasião não vim ao Rio.

Como decidiu ser fotógrafa?

A.T.L. – Quando eu tinha 19 anos dei uma volta ao mundo e vim ao Chile, ao Equador, à Colômbia. Eu tinha uma pequena câmara. Aí eu pensei que, quando crescesse, seria fotógrafa para não precisar mais comprar uma passagem de ônibus tão barata para Santiago. Foi quando decidi realmente. E desde então nunca mais tinha vindo à América do Sul.

E a vida em Londres?

A.T.L. – Bem, eu fico lá três meses por ano, no máximo. Visito minha casa, lavo minha roupa.

Como faz para se virar em tantos lugares diferentes?

A.T.L. – Eu posso me virar em russo e em árabe, pois morei dois anos e meio na Síria antes da guerra. Sou meio sueca, então falo sueco também. Posso pegar um táxi, fazer compras e ter uma conversa em russo e em árabe. Mas, na guerra ou na paz sou sempre a mesma. Exatamente, sempre, a mesma pessoa.

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André Lobato, do Globo