Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo brasileiro é um cadáver putrefato

Apesar da revolta com ares de filme pastelão dos antidemocráticos que não aceitam o resultado, a verdade é que o pleito eleitoral de 2014 está encerrado e o grande derrotado foi o jornalismo brasileiro, que mais uma vez prestou um desserviço à população. A tentativa bizarra de uma revista (cujo nome todos sabem, mas me dou o direito de não citá-la já que termos chulos devem ser evitados em respeito aos leitores) de interferir novamente nos rumos da eleição foi apenas mais um exemplo do nível deplorável que a nossa imprensa atingiu. Para completar o quadro dantesco, os que ainda honram a profissão permanecem num silêncio cômodo.

Em sua história, o jornalismo brasileiro teve ótimos e péssimos momentos – qualquer um que seja da área ou bem informado saberá citá-los. Entretanto, prestes a comemorar 30 anos do fim da ditadura militar, deveríamos estar vivendo um momento muito mais rico e maduro dos principais veículos de comunicação. Porém o que presenciamos, especialmente na última década, foi o assassinato de todos os princípios éticos da profissão em detrimento de interesses obscuros que tentam incansavelmente tirar do poder o atual governo para colocar o principal partido da oposição – no caso, o PSDB.

Checar a fundo uma notícia antes de divulgá-la, ter em seus quadros colunistas com opiniões diferentes, dar a mesma relevância a uma denúncia independente do partido ou político envolvido e ouvir e dar todo o espaço para que o lado acusado possa se defender deveriam ser preceitos básicos de qualquer veículo de comunicação sério, mas, no Brasil, vivemos exatamente o inverso e isso parece não chocar mais ninguém que trabalha no meio.

O desequilíbrio das notícias favoráveis e desfavoráveis envolvendo PT e PSDB em jornais, revistas, TVs, rádios e portais da internet demonstra claramente que a grande mídia não está fazendo jornalismo, mas sim, campanha política. Alguém que chegasse de Marte perto das eleições poderia ingenuamente pensar: “Mas se há mais fatos ruins de um lado do que de outro, paciência, que se mostre tudo.” É verdade, mas isso não é nem de longe o caso; as notícias ruins envolvendo o partido da presidente são amplificadas ao extremo e muitas até divulgadas sem uma mísera prova. Já as do partido adversário raramente são apresentadas e, quando são, abre-se um espaço enorme para que a defesa explique que tudo não passa de inverdades. Diante desse cenário, não é surpresa que o jornalismo brasileiro tenha sido motivo de tantas críticas de colegas de diversas partes do mundo.

Vermes insaciáveis

Apesar de honrosas exceções, a triste constatação é que o nosso jornalismo tornou-se um cadáver em avançado estado de putrefação, onde vermes trabalham freneticamente visandoapenas a passar as “verdades” que eles inventam, distorcem ou omitem conforme o partido. Não há mais medo do ridículo, do descrédito ou de serem questionados pelos malefícios que a defesa intransigente de um lado e o ataque cego ao outro trazem ao país e à profissão. Eles não “estão nem aí”. Na verdade, estão com seus egos machucados desde 2005, quando não se contentaram em denunciar um esquema de corrupção. Tentaram a todo custo tirar Lula do poder. Na época, um colunista (novamente omitirei o nome por uma questão de respeito ao leitor) chegou a escrever debochadamente em sua coluna que o governo do PT tinha acabado ali e que faria questão de dar a notícia ao presidente. Pois é, nove anos e três derrotas presidenciais depois, o mesmo colunista surtou e descarregou seu ódio em um programa de TV, xingando nordestinos de “bovinos”, pouco educados e retrógrados, entre outras coisas. Esse é um dos exemplos de “grandes pensadores” que a imprensa possui.

Mas há quem consiga ser ainda pior. Um dos jornalistas mais queridos pelos reacionários de plantão, e que escreve para a mesma revista que deu vexame às vésperas da eleição, possui um blog onde posta alucinadamente “notícias” e comentários contra o partido da presidente, mas toda e qualquer notícia contra o PSDB, é, obviamente omitida por esse “profissional”. O máximo que cinicamente publica é “que se apure tudo, não interessa quem seja”, mas logo na sequência vem um longo texto defendendo os tucanos com veemência e atacando os que ousam apontar casos de corrupção como o do metrô em São Paulo.

Nos canais de TV, a coisa não é muito diferente. Apenas o modus operandi é mais sutil, porém o conteúdo de notícias favoráveis aos tucanos e desfavoráveis aos petistas é o mesmo.

É possível ressuscitar o jornalismo sério

Após a constatação óbvia de que o jornalismo brasileiro perdeu seu rumo, especialistas debatem sobre formas de resgatar a credibilidade e acabar, ou pelo menos diminuir consideravelmente, as grandes aberrações que tomaram conta de muitas redações. A ideia de criar mecanismos de “controle”, regulamentação, ou seja lá o nome que for, deve ser refutada pelos que defendem uma imprensa verdadeiramente livre. Será esplêndido se a Justiça passar a punir severamente o veículo ou jornalista que caluniar, ofender e inventar sandices para qualquer fim, mas jamais podemos aceitar a criação de um órgão que policie a imprensa. Conclusão: o caminho não pode ser esse.

Achar que blogs que servem para atacar a grande imprensa estejam fazendo jornalismo de fato é acreditar em Papai Noel. No máximo, o que fazem é rebater as mentiras e apresentar denúncias contra o partido queridinho da mídia. Mas isso está longe de resolver o problema. Na verdade, esse é mais um problema, pois não existe um lado 100% certo e outro 100% errado.

Seria utópico acreditar que a própria população perceberá a manipulação e se voltará contra as mentiras passadas pela imprensa, exigindo um jornalismo de verdade. Resta uma única e fantástica alternativa: que os jornalistas sérios se levantem e, num ato de grandeza moral, digam não ao que a grande mídia está fazendo. Em vários veículos, há profissionais sérios, mas que estão se calando diante da barbárie cometida por seus patrões e colegas. O medo de perder o emprego não pode ser desculpa nem para os próprios botões para aceitar passivamente o que está ocorrendo. Vale lembrar que, no passado, profissionais da área sofreram ameaças muito mais graves e não tiveram medo. Portanto, é momento de um ato de libertação, seja do jornalista que escreve sobre política, ou esportes, ou celebridades etc. Todos têm a obrigação de deixar o comodismo de lado e partir para o enfrentamento, expondo para os brasileiros toda a grande armação da mídia.

Somente com a multiplicação de atitudes como a de Xico Sá, que deu uma banana e abandonou o jornal que não queria publicar um texto apoiando Dilma mas aceitava publicar os de outros colunistas que elogiavam Aécio Neves, é que poderemos sonhar com um jornalismo tocado por jornalistas de verdade, que critiquem, denunciem, elogiem não por interesses obscuros, mas pelos verdadeiros objetivos da profissão que são o de informar e fomentar a reflexão.

Cabe aos jornalistas sérios o papel de ressuscitar o jornalismo de verdade. Calar-se será tão grave quanto ser um dos vermes que o devoram.

< ****** Marcelo Jorge Moraes Rio é professor e jornalista