Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para jornalista, prender usuário de drogas é desperdício

O jornalista americano Glenn Greenwald, 47, tornou-se conhecido no ano passado por revelar que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionava governos, empresas e civis em todo o mundo. Os documentos lhe foram revelados pelo ex-agente da NSA Edward Snowden, que hoje mora na Rússia, na condição de asilado político.

Quatro anos antes de denunciar a espionagem global americana, Greenwald se notabilizou no debate sobre drogas ao publicar um estudo sobre a descriminalização das drogas em Portugal. Lá, desde 2001, consumir entorpecentes não é crime, mas uma infração passível de multa e cuja reincidência leva a aconselhamento e tratamento, e não à cadeia.

Nesta segunda (24/11), ele ingressou na LEAP (Law Enforcement Against Prohibition), organização que pede a substituição da proibição por um sistema de regulação e controle, que julga ser mais eficaz. Greenwald vai somar a consultoria ao trabalho no blog The Intercept, financiado pelo dono do site eBay Pierre Omydiar. Ele também estrela o documentário Citizen Four (sem data de estreia no Brasil), de Laura Poitras, sobre as revelações de Snowden e que estreou nos Estados Unidos em outubro.

Em entrevista à Folha na mesma semana em que o Congresso americano barrou a reforma da espionagem da NSA, o jornalista chamou o presidente Barack Obama de hipócrita. “Ele é um dos vilões dessa história.”

Leia trechos a seguir.

Reforma da NSA

Nunca esperei que fosse haver uma reforma de verdade. Desde o 11 de setembro, o governo usa o terrorismo como desculpa para fazer o que quer. Não esperava que a premissa da vigilância em massa fosse derrotada pelo governo responsável por ela. A pressão virá de outros países, de empresas e de indivíduos.

Obama

Ele tem sido completamente hipócrita. Criticou duramente a NSA em campanha, mas ela está espionando muito mais gente inocente em mais países do que na administração Bush. Obama é um dos vilões dessa história.

Asilo brasileiro a Snowden

As eleições presidenciais no Brasil e os três anos de residência que ele recebeu da Rússia tornaram a questão menos urgente. Mas ainda é importante o Brasil responder, apesar de me parecer que o governo está mais inclinado a reatar relações com os EUA.

Documentário

O filme é importante porque faz com que as pessoas vejam o que aconteceu enquanto estava acontecendo e construam sua opinião sobre o vazamento dos documentos da NSA.

Pesquisa sobre drogas

Em 2008, o instituto Cato [think tank norte-americano] me convidou a fazer uma pesquisa sobre os efeitos da descriminalização em Portugal.

As evidências são impressionantes. Primeiro, que colocar usuários na prisão é contraproducente e um desperdício de recursos. Se você parar de tratar drogas como algo da esfera criminal e passar o caso para a esfera da saúde, pode começar a solucionar o problema em vez de piorá-lo.

Defesa da legalização

Há quase cem anos, os EUA proibiram a produção e o consumo de álcool e criaram uma rede de crime organizado que ganhou muito dinheiro e espalhou crimes relacionados a gangues. Quando o álcool foi legalizado novamente, esse tipo de crime desapareceu. É a mesma coisa com as drogas.

Se você parar de investir tanto dinheiro em processar e prender usuários, terá mais recursos para campanhas educativas e para aconselhamento. Isso fez diminuir o uso entre os mais jovens em Portugal.

Relação com financiador

Encontramos alguém com uma quantidade extraordinária de dinheiro para financiar o blog. Omidyar nunca tentou barrar nenhuma reportagem, mas ele queria fazer parte [a postagem diz que ele queria ter controle absoluto sobre os gastos, o que inviabilizava certas empreitadas].

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Fernanda Mena, da Folha de S.Paulo