Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista exagera riscos vividos na Guerra das Malvinas

Mais de 30 anos depois da sangrenta derrota da Argentina nas Guerra das Malvinas, a imprensa local volta a se apaixonar pelo tema, revendo vídeos e crônicas. Não porque se importe com as consequências daquela perda, mas porque acaba de encontrar sua própria guerra particular sobre o assunto: os egos e os exageros em torno da cobertura feita à época pelos jovens correspondentes de guerra – hoje estrelas na profissão.

O principal protagonista é Bill O’Reilly, veterano apresentador da rede Fox, que é acusado de haver “exagerado” suas reportagens na cobertura de guerra para “ficar bem” e se mostrar um homem valente, que arriscou sua vida na tarefa.

– Ele nunca esteve em risco – disparam os jornalistas da “Mother Jones”, publicação americana de centro-esquerda.

Outros meios fizeram coro às denúncias e até a prestigiosa Radio Pública argentina dedicou uma longo espaço na programação para analisar a questão.

– O que precisa ser dito primeiramente é que O’Reilly, assim como a maioria dos jornalistas que cobriram a guerra, trabalhou desde Buenos Aires. Foram muitos poucos os que puderam viajar ao arquipélago.

Mas a raiva veio porque O’Reilly, que então não trabalhava para a Fox, sustentou que havia estado na “zona de guerra” e que sua vida “correu perigo”. Tudo foi mostrado em uma reportagem feita na Plaza de Mayo, na noite em que a agitação popular após a derrota acabou em confrontos com a polícia, gás lacrimogêneo e disparos para o alto.

– Houve feridos mas, que eu saiba, ninguém foi morto – contou o historiador Federico Lorenz, autor de “A Guerra das Malvinas”, quando questionado pela mídia americana sobre a intriga.

Cascata pura

O caso contribui para uma série de episódios em que jornalistas proeminentes foram pegos por não dizer a verdade. O caso mais recente é o da NBC, que teve de suspender um de seus apresentadores, Brian Williams, por ele ter mentido sobre um suposto ataque a um helicóptero que “quase lhe custou a vida”, durante a guerra do Iraque, em 2003.

– É uma vergonha que essas coisas aconteçam. Isso acontece com os meios que estão à esquerda – disse um O’Reilly indignado na Fox sobre o caso de Williams. A vingança vem agora, apenas alguns dias depois, com as duras críticas da “Mother Jones”.

A diferença entre um caso e outro é que, até agora, a rede americana apoiou O’Reilly, o que não aconteceu no caso de Williams, que teve que pedir desculpas publicamente na NBC. Claro, o caso das Malvinas aconteceu quando o repórter não estava na Fox: corresponde ao seu passado na CBS, e ainda resultou em um livro de sua autoria e múltiplas conferências e entrevistas dadas por ele sobre o assunto.

É aí onde estão as passagens mais controversas. Entre elas, O’Reilly diz que a sua vida “estava em perigo” na Plaza de Mayo, que viu “cair mortas cinco pessoas” e que “um soldado, de cerca de 20 anos”, apontou um rifle para sua cabeça.

– Eu pensei que era o fim – dramatiza.

A guerra continua. Ele acusou os jornalistas que escreveram a denúncia – Eric Engberg e David Corn – de serem “um pedaço de lixo nojento”. Do primeiro, lembrou que seu apelido era “room service”, porque ele nunca deixava o quarto de hotel em situações de risco.

Mas Engberg não mordeu a isca e manteve-se firme na denúncia.

– Não havia risco de vida na Plaza de Mayo. O que ele fez foi exagerar as coisas para recriar uma situação mais imprudente do que realmente era.

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Silvia Pisani, do La Nación