Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A lista do Supremo e o ‘Jornal Nacional’

Sexta-feira, 6 de março de 2015. Nesse dia, as atenções dos veículos de comunicação do país estavam voltadas para a divulgação da lista dos políticos supostamente envolvidos no esquema de desvio de recursos da Petrobras. Missão entregue ao ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do Petrolão naquela corte.

Jornais impressos, redes de TV e de rádio, sites noticiosos e até o cidadão comum mantiveram plantão durante todo o dia. Editores de Primeira Página e de Política já tinham a manchete do dia seguinte. O assunto também abriria a escalada dos telejornais. As seções “Artigos”, “Opiniões” e colunas políticas dos impressos viriam atulhadas com nomes dos investigados. Ótimo dia para o jornalismo. Mais um fato triste para os brasileiros.

A expectativa era de que a lista encaminhada ao STF pelo Ministério Público Federal fosse divulgada no meio da tarde. Passou para as 19 horas, depois para 19h30. À medida que o tempo ia passando, aumentava a expectativa. As redes sociais fervilhavam. Postagens sobre a tal relação recebiam bondoso número de curtidas e dezenas de comentários.

Durante a semana os jornais já tinham antecipado alguns nomes, como os do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e o da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), ambos do PMDB. Como jornalista (e cidadão ávido por notícia de valor), eu também não parava de teclar F5 no site do Supremo. Quem sabe não surgiriam os nomes ali, bem na minha frente?

Foi mal

Por volta das 17 horas, postei o seguinte comentário no meu perfil no Facebook:

“Posso estar enganado, mas a lista dos políticos que serão investigados pelo Supremo só deverá sair no horário do Jornal Nacional. A busca pela notícia exclusiva é direito e até obrigação do jornalista. O órgão público é que não pode dar privilégios, segurando informação que é desejo de todos. Digo que isso é uma suposição. Não é informação.”

Com o passar do tempo, o que era somente suposição foi ganhando contornos de fato. O Supremo iria privilegiar o JN, disparado o telejornal de maior audiência do Brasil. Batata! Como afirmei na postagem no Facebook, é direito e até obrigação do jornalista ou do jornalismo correr atrás de notícias exclusivas. Não há nada de ilegal ou imoral. Afinal, notícia dada em primeira mão valoriza o veículo e o profissional.

O guardião daquela informação, no caso o Supremo, no entanto, não poderia se sujeitar a esse “favor”. A entrevista do ministro devia ter sido anunciada com dia e horário para não gerar suspeita sobre privilégio a veículo A ou B. Mesmo que fosse marcada para as 20h30 (hora de Brasília), quando o JN se inicia. Eventos de grande repercussão, a ser divulgados especialmente por órgãos públicos, têm de valorizar o conjunto da mídia.

A Receita Federal, por exemplo, divulga as regras para a entrega anual da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física em entrevista, com dia e hora marcados. É um dos grandes eventos do ano para o contribuinte. O fisco também o faz quando anuncia a arrecadação mensal de tributos da União. Sem privilégios.

A lista dos políticos supostamente envolvidos no lamaçal da Petrobras era o evento jornalístico do ano até aqui. O Jornal Nacional fez jornalismo. Não só a maioria dos brasileiros aguardava William Bonner e Renata Vasconcelos naquela sexta-feira, 6. A Suprema Corte também. Escorregão indesculpável.

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Antônio Carlos Teixeira é jornalista (Brasília, DF)