Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O‘habitus’ jornalístico entre os não-jornalistas

O conceito dehabitus é um dos mais notórios do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002). Refere-se ao conjunto de “práticas distintas e distintivas” que identificam certo grupo. Em definição clássica, trata-se do “sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”.

Em geral, o habitus jornalístico tem um quê ideológico (profissional movido por forte senso de justiça e de democracia, como observou o pesquisador português Nelson Traquina), comportamental (sujeito extrovertido, atrevido, insistente) e caricato (vive sem dinheiro, adora café, tem fama de fofoqueiro). O estresse é um dos elementos mais notórios do habitus jornalístico. Costuma ser fruto das jornadas extenuantes, do trabalho contra o tempo, da necessidade de precisão, da concorrência e da luta pela audiência.

Na era dos smartphones, um estresse compatível com o dos jornalistas parece atingir o cidadão comum: há quem confira a caixa de e-mails como um repórter que aguarda retorno da fonte para fechar a matéria; há quem poste um evento particular com a pressa de um redator de portal; há quem lamente a falta de likes na selfie como o repórter que passou semanas apurando um escândalo e não recebeu um elogio sequer; há quem faça informes de seu dia com o mesmo compromisso do setorista político.

Em essência, o jornalismo é uma atividade tão antiga quanto a própria humanidade. Pois, como observam os norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel em Os elementos do jornalismo (2003), “as pessoas precisam de informação por causa de um instinto básico do ser humano”. Mas isso justificaria este pseudo habitus jornalístico entre os não-jornalistas?

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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas