Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ameaça de perder um bicho de estimação

A imprensa noticia diariamente histórias de estarrecer. Não por acaso tem crescido o número de pessoas que preferem ligações afetivas mais ‘seguras’, oferecidas pela convivência com bichos domésticos como cães, gatos e pássaros. Mas há uma pedra, ou muitas delas, no meio desse caminho.

Cidades dos quatro cantos do país estão em pleno movimento de verticalização. Prédios residenciais pipocam por toda parte. Por dentro de alguns muros há empreendimentos que reúnem um número tão grande de condôminos que ali passa a funcionar um bairro dentro de um outro bairro. Morar em edifício ou condomínio de casas reúne vantagens, como grandes áreas de lazer e portarias mais seguras, mas é certo que os moradores terão de se adequar a algumas limitações. Aí surge o impasse. É justo que uma convenção ou reunião extraordinária dite regras contra a permanência de animais de estimação, especialmente cães de médio e grande porte, nas unidades autônomas, nas áreas de uso comum ou em equipamentos como os elevadores?

A boa noticia é que o ‘membro’ da família de quatro patas, ou menos, tem direitos garantidos pela lei das leis, nossa Constituição Federal, que se sobrepõe a normas pactuadas inclusive em convenções ou reuniões extraordinárias de condomínio. Mas para que essa proteção não fique só no papel, o guardião ou proprietário do bicho de estimação alvo de uma decisão arbitrária ou de ameaças de envenenamento, por exemplo, precisa saber como agir.

O caminho para superar as dificuldades

Dominar esse assunto tão delicado agora ficou fácil. O documentário Os direitos dos animais em condomínios, um DVD com produção caprichada, de preço acessível, feito pela ONG baiana Terra Verde Viva, tem o mérito de tirar todas as dúvidas.

A presidente da entidade, a advogada Ana Rita Tavares, explica, sem ‘juridiquês’, quais as leis que protegem os animais, que provas devem ser produzidas nas ações judiciais, o que fazer em caso de envenenamento e muitos outros temas que afligem os donos de pets.

A mobilização que a Terra Verde Viva conseguiu, na Bahia, em torno dos direitos dos animais que vivem em condomínios é digna de nota. A causa ganhou apoios importantes, como da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), Esad, Ministério Público e OAB. O trabalho, que começou em Salvador, agora está sendo ‘exportado’ pela ONG para todo o Brasil. O documentário e o site www.terraverdeviva.org.br são usados como ferramentas para conscientizar síndicos, administradoras de condomínios e operadores do direito. Guardiões de animais em apuros encontram na entidade orientação confiável.

Um dos entrevistados que aparece no documentário, o delegado da Polícia Civil da Bahia Tadeu Vianna Braga, fala sobre o dever do servidor público de tratar com seriedade casos envolvendo ameaças contra animais, orientando a população a denunciar à Corregedoria condutas negligentes nas delegacias. A síndica Deise Barbosa mostra que é possível uma convivência pacifica entre bichos e condôminos quando as pessoas se abrem para o diálogo. O médico Márcio Luiz Martinez, o arquiteto Igor Lavinky, a veterinária Irma Maria, a fisioterapeuta Ludimila Galbas e a professora Carmem Lucia Fontana têm em comum não apenas a forte ligação afetiva com seus cães e gatos, mas o fato de terem sofrido a ameaça de perdê-los por viverem em condomínios. No documentário, cada um deles, além de outros personagens, mostram o caminho que trilharam para superar as dificuldades.

Medidas discriminatórias são declaradas nulas

O Brasil comemora o recorde de financiamentos residenciais – cerca de 30 bilhões de reais emprestados para a aquisição de quase 700 mil unidades em 2009, na sua maioria apartamentos. Este número deve ser superado, com larga margem, no fechamento de 2010. Mas a noticia não pode ficar por ai. O sonho da casa própria pode virar um pesadelo para muita gente se persistir, entre nós, o desconhecimento e o desrespeito aos direitos dos animais.

O Judiciário brasileiro tem proferido decisões sobre um número crescente de ações desse tipo. O que se vê, na maioria dos casos, são magistrados atentos às mudanças sociais e sensíveis aos direitos dos animais. Prova disso é que, independente do porte, se o bicho de estimação não oferece comportamento de risco aos condôminos, tem sido assegurada sua permanência junto ao dono.

Medidas discriminatórias são declaradas nulas pelo juiz, o que torna superadas ideias como a da ‘soberania’ da convenção do condomínio ou da decisão tomada em assembleia, vociferadas por aqueles que desprezam os bichos. Aqui vale a pena parafrasear o grande baiano Dorival Caimmy, em sua deliciosa ‘Canção da Terra’: ‘Quem não gosta de samba (dos animais), bom sujeito não é…’

Existem avanços, mas…

Para contemplar seus desejos e interesses, o homem domesticou várias espécies de animais. Mais que justo que esses seres, retirados do seu habitat, tenham sua integridade física e psíquica protegidas. Estudos mostram que pessoas com deficiência visual, idosos e crianças portadoras de certas síndromes têm na convivência doméstica com os animais mais que uma boa companhia ou meio de inserção social. Esse relacionamento tem efeitos terapêuticos muito positivos.

O fato é que, comparado com outros países, especialmente da Europa, o Brasil tem muito que avançar na defesa dos direitos dos animais. Lamentavelmente mantemos ainda uma longa distância do que tão bem definiu o pacifista Mahatma Gandhi: ‘A grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser avaliados pela forma como ela trata seus animais.’

É bom que se diga que a sociedade brasileira tem tido avanços nessa questão e o trabalho da Terra Verde Viva e de outras ONGs protetoras dos animais sinalizam isto claramente. Mas é preciso – e possível – fazer muito mais.

O documentário O direito dos animais em condomínios pode ser adquirido no site www.terraverdeviva.org.br. Para quem gosta do tema, este título e outros vídeos sobre proteção dos animais também estão disponíveis na ONG Instituto Nina Rosa.

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Jornalista e consultora empresarial