Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A barbárie adjetiva

Leio na Folha de S.Paulo (12/8) notícia sobre a ida de delegação formada por políticos e ativistas sociais à Líbia. A matéria informa que o grupo viaja a convite do governo daquele país. “Um grupo de políticos e ativistas sociais brasileiros embarca neste domingo (14/8) rumo à Líbia, atendendo a convite do ditador Muamar Kadafi, que tenta aliviar o isolamento imposto pelo Ocidente por causa da guerra.”

Logo deparo com o adjetivo “ditador”, inclusive no título:“Deputados brasileiros viajam à Líbia a convite de ditador.” Sigo a leitura. Mais adiante, outro adjetivo: “esquerdista”, dessa vez referindo-se a um escritor. “Também integram a comitiva o escritor esquerdista Mário Augusto Jakobskind, o advogado Felipe Boni de Castro e a militante feminista Alzimara Bacellar, entre outros.”

Que o jornalismo é uma prática escrita com ideologia, sabe-se. E até se luta para modificar essa realidade. Mas além do uso de uma profissão a serviço do público para propagar interesses privados, o que se verifica em textos como o citado é a perda de qualidade no combate discursivo que tem por finalidade desqualificar o adversário ideológico.

O dispositivo da estupidez

Considerando que o adjetivo é a mais pobre categoria gramatical, o emprego da palavra “esquerdista” para apresentar o escritor é a miséria da escritura. Pode-se imaginar um jornalista simpático às causas da esquerda anunciando Jorge Luis Borges como “o escritor direitista Jorge Luis Borges”, ou ainda, “o escritor direitista Mario Vargas Llosa”. Mais do que ingênuo, soa ignorante e insultuoso ao ofício profissional de informar.

Que a Folha de S.Paulo defenda a sua preferência ideológica está no seu papel. Mas creio que não deveria perder a inteligência e usar do expediente irrisório de acionar o dispositivo da estupidez nos seus leitores. Isso costuma gerar violência e barbárie. O que parece não ser o desejo da Folha de S.Paulo, que na sua linha editorial indica prezar pelos direitos humanos conforme os princípios liberais e burgueses.

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[Maria Luiza Franco Busse é jornalista e doutora em Semiologia pela UFRJ]