Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A carência de opinião na sociedade informacional

Ler Nelson Rodrigues me fez pensar sobre a crescente carência de ‘opinião’ no mundo atual. Apesar de os veículos de comunicação aumentarem exponencialmente e todos transmitirem em tempo real notícias e fatos – hoje, até geladeira e microondas permitem o acesso à internet e são canais de comunicação –, são poucos os espaços onde a notícia é filtrada e interpretada. É por essa razão que voltamos com tanta sede a Nelson Rodrigues.

Sem dúvida que há muitas qualidades em suas crônicas, mas o que nos cativa é sua ‘opinião’ escancarada, expressa sem qualquer fundamento, sem qualquer preocupação em ser justa e convencer. Sentimos uma necessidade visceral de suas repetições e ironias, de seus adjetivos e xingamentos, pois a opinião tornou-se matéria rara na sociedade informacional. Estamos todos indigestos de tantos dados e fatos, precisamos daquele que nos ajude a separar o joio do trigo e, mais do que isso, que humanize com sentimentos e emoções o que quer se passar por notícia fria.

A opinião é o que nos posiciona e também ajuda a construir valores, que ao final, é a identidade, o sentido de quem somos e para onde gostaríamos de ir. Sem esse filtro moral, o que temos são dados espalhados ou solitariamente armazenados, como a memória de um computador. Por isso, podemos dizer que a notícia só nos importa se guarda relações, se vem associada a outros fatos presentes e passados. Não é mais a velocidade o bem escasso.

O louvor à objetividade

Antes, toda impressa corria atrás do furo jornalístico. Hoje, o furo não dura mais do que alguns segundos e já precisa ser substituído pelo próximo furo. Buscar pelo acontecimento continua parte do métier do jornalismo, mas o diferencial, que o público deseja, é notícia com opinião.

O rádio permanece sendo o segundo veículo de maior audiência, depois da televisão. E todo mundo pergunta por quê? Por quê? Acredito que por conta de seus comentaristas. Nele é possível a notícia acompanhada da opinião. Também causou assombro a audiência que obtiveram blogs de pessoas anônimas, que nunca tinham se aventurado no campo do jornalismo, mas que tinham, repito, opinião. Já disse que não é mais o furo que importa; acrescento, tampouco a notícia especializada – porque também há sites especializados sobre tudo, de moda a viagens galácticas. É a opinião o bem escasso no jornalismo atual.

Como é possível um mundo sem opinião, perguntaria Nelson Rodrigues se fosse vivo. Pois chegamos a esse contra-senso. Ele colocaria a culpa nos copydesk que já no seu tempo infernizavam as redações. Para ele, o copydesk veio acompanhado do louvor à objetividade, trouxe o idiota da objetividade e iria fazer do leitor outro idiota da objetividade.

Textos mal fundamentados

Pois estamos vivendo a profecia de Nelson Rodrigues. A informação pura é igual a qualquer outra informação. Assim, tanto faz ler O Globo, ou Folha de S.Paulo, ou Valor Econômico, todos falam dos mesmos assuntos com as mesmas informações. Um explora um aspecto diferente do outro, conforme sua linha editorial. Mas não há distância significativa entre o que um e outro noticiam. Então, a informação, apesar de existir em grande quantidade, tornou-se repetitiva, absurda e cansativamente repetitiva.

Lembrei-me de um cidadão para quem fui trabalhar logo que cheguei a Recife. Era o típico canalha das crônicas de Nelson Rodrigues. Costumava escrever textos com um estilo grotesco, mal construídos e mal fundamentados, sobre a falta de recolhimento de lixo em Boa Viagem, a violência do trânsito etc. O fato é que as pessoas gostavam do que ele escrevia e até liam o seu jornal. Mas como?, me perguntava. Só hoje sei a resposta. Mesmo sendo muito mal escritos e preconceituosos, seus textos emitiam opiniões. Opiniões sobre questões banais, mas ainda assim opiniões. O mundo está carente de opinião, tão carente que até serve e se basta com a opinião de um idiota.

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Jornalista, Brasília, DF