Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A comunicação bovina

No Brasil, quem se destaca por ter uma comunicação empresarial atrasada? A crise produzida pela venda irregular de carne bovina para União Européia (EU) é uma boa pista para pensarmos a questão.

Se a comunicação empresarial é também expressão do pensamento da administração e de seus processos de gestão, tem-se no caso da carne bovina, um exemplo de comunicação ruim. No meio do tiroteio retórico com as autoridades européias, concorrentes e a imprensa, as mensagens dos produtores de carne brasileiros lembraram a torre de Babel. Ministros e executivos da carne de gado não-rastreado, em fevereiro, nos momentos mais delicados das negociações com as autoridades da EU para a suspensão do embargo à carne bovina brasileira foram opacos e dissimulados em suas explicações sobre o caso, diante da sociedade e da imprensa local e internacional.

O atraso da comunicação da agroindústria é escandaloso diante da história da comunicação empresarial brasileira. É só lembrar que a comunicação aparece como um elemento importante para os negócios a partir dos anos 1960, alavancada pela industrialização trazida principalmente pelas montadoras automobilísticas e, na década seguinte, pelo denominado ‘milagre econômico’.

Comunicação e relacionamento

Não é uma mera coincidência a presença de executivos de empresas multinacionais, como a Willys Overland e a Pirelli, entre os fundadores da primeira associação brasileira de comunicadores organizacionais, a Aberje, em 1967. A esses comunicadores empresariais pioneiros juntaram-se outros de empresas estrangeiras, entre elas, a Avon e a General Electric e as grandes estatais brasileiras, entre elas, a Petrobrás (ainda grafada com o acento agudo no a) e a Companhia Vale do Rio Doce (hoje, apenas Vale). Estas duas mudanças nas marcas da Petrobras e da Vale são marcos na história da comunicação empresarial, mas isto é assunto para outras colunas.

Passados 40 anos desses fatos fundadores da comunicação empresarial brasileira, a comunicação das grandes multinacionais estrangeiras e brasileiras vem se desenvolvendo dentro das questões públicas da sociedade industrial e da informação. Então, a agenda da comunicação empresarial moderna passa, por exemplo, pela gestão de crises por acidentes ou incidentes produzidos na cadeia produtiva ou na entrega de serviços. E, também, pela produção cotidiana e contínua de comunicação nos relacionamentos com consumidores, empregados, comunidades, acionistas, fornecedores, autoridades, imprensa, entre outros. Além da criação de propaganda ligada à responsabilidade social e a sustentabilidade corporativa.

Viva Chacrinha

No ambiente histórico descrito é difícil encontrar empresa com presença forte no mercado e na sociedade que não tenha a sua equipe de comunicadores envolvidos em políticas e ações comunicacionais que fortaleçam os seus relacionamentos públicos. Outro indicador de desenvolvimento e força da comunicação de uma organização é a presença de seus comunicadores nas redes de relacionamentos do setor, tecidas por entidades por meio de encontros, congressos, cursos, por exemplo.

Na atualidade brasileira, a comunicação da agroindústria se destaca pelo seu atraso e pela sua falta de profissionalismo e expressão. A comunicação de negócios importantes e fundamentais para o país como a soja, a cana-de-açúcar e do álcool, da carne, da madeira, é, ainda, do tempo da casa grande e da senzala. As crises recentes – como as do ‘leite misturado com soda cáustica’, a do desmatamento selvagem de grandes áreas da Amazônia, e, agora, a do descontrole sanitário do gado brasileiro – são a pior maneira de descobrir a importância de se relacionar e se comunicar de forma moderna e democrática.

O saudoso Chacrinha diria que os setores do agronegócio, com a mentalidade ‘do manda quem pode, obedece quem tem juízo’, se trumbicou.

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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)