Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A cultura do adeus

Há pouco mais de um século talvez, no período que antecede a super-industrialização, a Terra parecia girar em torno do sol mais devagar. Com o advento das máquinas, a impressão é que até o relógio começou a trabalhar mais rápido. Antes disso, o homem conseguia manter relações bastante estáveis com outros seres, instituições e objetos. A mudança não era um conceito muito relevante na vida das pessoas. Pelo contrário, um simples acontecimento era informação suficiente para meses de conversa. Hoje, uma notícia dura apenas o tempo de um café pequeno. É a constante fabricação da novidade.

Toffler, no seu livro O Choque do Futuro, ainda na década de 1970, foi capaz de traçar um perfil surpreendente do homem pós-moderno. Para ele, a transitoriedade é a tônica desta nova civilização e isto ninguém pode mais evitar. A super-industrialização, como ele chama esta época, determinou um outro modo de comportamento. Talvez esta seja, de fato, a era da negação ao velho. Nem mesmo gente de carne, osso e silicone deve aparentar muito tempo de vida útil. Porque o destino das mercadorias que estão com o prazo de validade no limite é, na maior parte dos casos, o lixo.

Aliás, lixo é um problema que não tem destaque quando o assunto é a preservação do meio ambiente. Tema, por sinal, bastante atual. Mas fica difícil entender como é possível se falar em conservação quando este tipo de valor já não é bem visto em uma sociedade descartável.

Bens ‘duráveis’ que não existem mais

Não faz muito tempo, por exemplo, o desejo de boa parte da população era comprar um vídeo cassete. O sonho de ter um cinema em casa era a aspiração de ricos e pobres, impulsionados, claro, pela força dos anúncios publicitários. Com o lançamento deste equipamento, que permitia a reprodução de filmes, antes apenas vistos em uma grande sala de projeção ou na Sessão da Tarde, agora já era possível, com um simples apertar de botões, no sofá de casa, a qualquer momento, entrar no mundo da sétima arte.

Pouco depois desta revolução, surgem pequenas modificações no produto, com modelos de três e até quatro cabeças que, segundo diziam os anúncios, permitiam avanços em suas performances. Como se todas estas vantagens não fossem suficientes, eis que surge o aparelho de DVD com um maior número de funções, inclusive, e principalmente, a de tornar aquela parafernália eletrônica da década anterior em lixo. Agora imagine tal horizonte em escala mundial e inclua aí todos os quilômetros de rolos de fita, os milhares de caixas plásticas que ajudavam a expor o produto nas prateleiras das locadoras e uma série de outros itens coadjuvantes, como os blocos dos manuais de instruções do produto, que foram declarados inúteis da noite para o dia a seus infelizes proprietários. O destino deste material, sem dúvida, foi mesmo o de virar entulho em algum lugar do planeta. Mas isso ainda não é tudo.

Para dar proporções mais dramáticas a toda esta história, é bom lembrar a quantidade de sucata que se produz, de maneira simultânea, no momento em que uma nova oferta chega ao mercado – e as opções não se resumem aos aparelhos de DVD. Para se ter uma idéia, basta olhar a massa de anúncios publicitários dos últimos anos e verificar que bens duráveis já não existem mais.

Natureza foge ao controle do homem

O problema maior é que a retórica capitalista não permite trazer estes fatos à tona. O que vemos nos anúncios de preservação do meio ambiente é um discurso, na maior parte dos casos, elaborado com a intenção de levar a questão para bem longe do público consumidor, e nada melhor do que a distante Amazônia. Isto justifica a constante presença do apelo verde neste tipo de mensagem, que procura, feito um exemplo que circulou em um grande jornal nacional, convencer o leitor a, de forma artificial, pela internet, com um simples clique, plantar uma árvore e salvar o planeta.

Desta maneira, questões importantes, como o excesso de veículos movidos a combustível poluente que circulam nas ruas, a crescente especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, a fraca iniciativa do governo em fiscalizar empresas e práticas nocivas ao meio ambiente ou o grande número de embalagens plásticas, não biodegradáveis, que protegem toda espécie de produto e geram uma enorme quantidade de lixo não orgânico, deixam, entre outros itens, de aparecer nesta discussão.

Talvez o que seja relevante jogar fora no momento, são alguns valores da ideologia capitalista, já muito desgastados e que, de fato, não servem mais para quase nada. Forjar um discurso para impedir que esta transformação aconteça não parece uma solução eficiente. Existem forças da natureza que ainda hoje fogem ao controle do homem. Sem dúvida, esta mudança é apenas também uma questão de tempo. Neste caso, vale a torcida para que isto aconteça em breve.

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Mestre em Lingüística pela UFPE e especialista em Comunicação pela ESPM, SP