Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A geometria da impunidade

As nossas autoridades quando simplesmente não têm o que dizer para justificar as suas incúrias, omissões ou incompetências, saem pela tangente, usando uma linguagem pretensamente empolada, com termos muitas vezes saídos da até inocente geometria.

Sérgio Cabral, durante a mortandade pela dengue no ano passado, justificou o seu cruzar de braços prometendo para este ano ‘criar uma transverticalidade no combate a dengue’. Gilmar Mendes, por outro lado, justificou-se e defendeu-se do clamor popular com a pérola jurídica: ‘Ressalte-se que o novo encarceramento do paciente (Daniel Dantas) revela nítida via oblíqua de desrespeitar a decisão deste Supremo Tribunal Federal’.

Como dizia aquela música, parole, parole… agora até a imprensa resolveu adotar esta linha de comportamento, como, por exemplo, a revista Veja de 24 de setembro de 2008, no artigo ‘O ministro grampeado também foi vigiado’, que transcrevemos um trecho abaixo:

‘A desembargadora (Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal 3a Região, em São Paulo) afirmou que o juiz (Fausto de Sanctis) também descreveu um suposto jantar de assessores de Mendes, em Brasília, e que havia muita sujeira nestas relações. Ou seja: se o relato da desembargadora foi fidedigno, e nada indica que não seja…’

Sessões secretas

Por outro lado o Globo Online de 27/09/2008 noticia que o juiz de Sanctis, em entrevista ao site da revista Época, desmente a versão publicada na Veja, dizendo ter sido pressionado pela referida desembargadora em nome de Gilmar Mendes.

Parece que Veja simplesmente resolveu ‘interpretar’ os fatos usando a tal de tática geométrica. Refletiu a notícia em um espelho, invertendo tudo, conforme o esperado em uma reflexão especular, em que o lado direito vira esquerdo.

Diante disto tudo, o que esperar do plenário do Supremo Tribunal Federal, que tem o seu presidente freqüentando as páginas da imprensa que não lhe deveriam ser familiares para a relevância do seu cargo? Abaixarão as cabeças e esperarão a ‘onda’ passar, ou atuarão com presteza na busca incondicional da justiça, afastando o seu presidente e apurando tudo com transparência e de modo cristalino, sem a proteção das tais de sessões secretas?

Fatos concretos

Dizem que o STF é a última instância judicial com o direito de errar. Mas acabar com estas reentrâncias e assimetrias é uma reivindicação popular e uma necessidade para a sobrevivência da democracia, que não pode conviver com uma justiça desacreditada, onde o que vale é aquela frase do cantor Mick Jagger: ‘Desde que minha foto esteja na primeira página, não me importa o que escrevam sobre mim’ (ver em A língua de três pontas – Crônicas e citações sobre a arte de falar mal, de Moacyr Scliar).

Já que a chamada grande imprensa está mais ‘preocupada’ com o trabalho honesto e eficiente dos juízes das varas que tratam de crimes financeiros e lavagem de dinheiro, não poderia a imprensa independente tratar de fatos concretos, como as sérias declarações em depoimento oficial de uma desembargadora a respeito do presidente da mais alta corte judiciária do país?

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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ