Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imprensa e Paulo Freire

O jornalismo tem muito a aprender com Paulo Freire, tanto no que diz respeito à compreensão do mundo, bem como no processo de produção da notícia. A investigação é da essência do jornalismo porque diminui a possibilidade do erro e do equívoco. Caso isso ocorra, ainda dentro das práticas jornalísticas, faz-se necessário retificar a informação publicada que se revela inexata. No entanto, uma das tarefas centrais do rigor do método, do conhecimento do jornalismo, é evitar a ambigüidade na informação. Outro aspecto importante no atual processo de produção da notícia é estar sob a ditadura da audiência, da concorrência, a pressa que pode tornar mais precária a qualidade da informação noticiosa.

Por isso, apropriando-me dos ensinamentos de Paulo Freire, é importante nas práticas sociais do jornalismo ir além da mera captação dos fatos, buscando não só a interdependência entre eles, mas também o que há entre as parcialidades constitutivas da totalidade de cada um. Nesse sentido, o jornalismo necessita estabelecer uma vigilância constante sobre a sua própria atividade.

Ainda dentro da perspectiva de Freire, consideramos que a comparação que o autor faz entre a ingenuidade e a criticidade pode contribuir para entendermos o conhecimento do jornalismo – que trata dos acontecimentos do mundo, dos diversos saberes, dos campos da experiência e do cotidiano. O autor esclarece que não há diferença e nem distância entre a ingenuidade e a criticidade. Para Freire, entre o saber da pura experiência e dos procedimentos metodicamente rigorosos ocorre uma superação.

Abrir a ‘alma’ da cultura

Freire argumenta que não acontece uma ruptura porque a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Continuando a explicação, diz que ao criticizar-se, tornando-se curiosidade epistemológica, metodicamente ‘rigorizando-se’ na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão. A curiosidade metodicamente rigorosa do método cognoscível se torna curiosidade epistemológica, mudando de qualidade, mas não na essência.

É dentro desse quadro que opera o conhecimento do jornalismo. Na produção da notícia, o jornalista trabalha constantemente dentro dessa perspectiva de superação. Não é permitido ao jornalista que seja ingênuo na cobertura dos fatos. A tomada de consciência é o ponto de partida da sua atividade. Como é possível dar conta da cobertura dos acontecimentos, da mediação entre eles e a sociedade, se antes de construir a informação não conheço o objeto? É tomando consciência dele que me dou conta do objeto, que é conhecido por mim.

A eficácia da atividade jornalística e o conhecimento do jornalismo estão intimamente ligados ao que Freire colocava como a capacidade de abrir a ‘alma’ da cultura, de aprender a racionalidade da experiência por meio de caminhos múltiplos, deixando-se ‘molhar, ensopar’ das águas culturais e históricas dos indivíduos envolvidos na experiência. É dimensão crítica do conhecimento jornalístico, num imbricamento entre teoria e prática.

Utopia de um compromisso histórico

Por fim, não custa lembrar que esses ensinamentos a partir da leitura da obra de Paulo Freire têm como preocupação mostrar que o jornalista que seja tentado a abrir mão do rigor do método esquece o respeito ao outro, vítima, testemunha, parente, espezinha o respeito que deve a si mesmo: não é mais que um instrumento – um meio! – da informação.

É ainda o mestre Freire quem ensina. E isso é básico para o jornalismo. O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho de desmistificação. Por isso, a conscientização é o olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.

É o dever do jornalismo a busca da verdade e a ética como singularidade. Uma utopia a ser perseguida diariamente. Um jornalismo de frontes levantadas. Dentro desse contexto, concluo com Paulo Freire: ‘…o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também um compromisso histórico.’ O jornalismo é utopia realizável de um compromisso histórico com a verdade, a ética, a liberdade e a democracia.

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Jornalista e coordenador do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade da UFPE