Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A liberdade de expressão seletiva

Na quinta-feira (19/8), durante um evento jornalístico, Serra disse que defenderá a liberdade de imprensa. A que liberdade de imprensa Serra estava se referindo? Em razão do que tem ocorrido, e que será aqui debatido, muito provavelmente Serra defendeu a liberdade da empresa dos barões da mídia.

Os jornalistas precisam tomar cuidado com as definições empregadas por Serra. O que ele diz não é exatamente o que ele quer que seja entendido. O que o tucano tem feito não é exatamente o que ele diz que fará. Para não ser enganado pelas sutilezas do discurso serriano, é preciso ler o livro de Venício A. de Lima.

Os fatos estão aí para demonstrar que a liberdade de imprensa dos jornalistas não é muito bem vista por Serra (ou pelos sequazes dele). A desagradável e criminosa perseguição a Heródoto Barbeiro depois que o jornalista criticou os pedágios paulistas diante de Serra é bastante instrutiva.

Nesta quinta-feira, Serra acusou o governo federal de financiar ‘blogs sujos’ que ‘dão norte do patrulhamento’ a jornalistas. Curiosamente, Serra não acusou o governo federal de continuar pagando anúncios publicitários na Folha de S.Paulo, no Estadão, na Veja, no Globo e nas TVs Band e Globo e outros órgãos jornalísticos que são claramente simpáticos à candidatura tucana. Durante discurso no 8º Congresso Brasileiro de Jornais, Serra afirmou que o governo faz ‘patrulhamentos e perseguições sistemáticas’ a jornalistas. Apesar do tratamento agressivo dispensado pelo casal Bonner a Dilma Rousseff durante a entrevista no JN, ao contrário de Heródoto Barbeiro nenhum dos dois foi demitido a pedido de Lula. Até o presente momento, não foi divulgada qualquer acusação com provas de que Lula tenha pedido a cabeça dos âncoras do JN.

Críticas e perseguição

O episódio de Heródoto Barbeiro não é o único. Nos últimos anos vários jornalistas que questionaram de maneira profunda as ‘prioridades’ administrativas de Serra foram perseguidos e demitidos (não se sabe se isto ocorreu a pedido de Serra ou de aliados do tucano). Ao que se sabe, nos últimos oito anos o governo federal nunca perseguiu ninguém. Apesar das milhares de linhas ‘calientes’ escritas e das palavras ‘duras’ transmitidas pela TV durante o mensalão do PT e quando Gilmar Mendes chamou Lula às falas, o governo federal e as empresas estatais não deixaram de fazer e de pagar anúncios nos órgão de imprensa escrita e televisada.

Este ataque de Serra ao governo federal é claramente exagerado, algo que pode ser definido como ‘um murro na cara’, como diria o jornalista Vitor Paolozzi. Entretanto, em razão do que ocorreu no caso de Heródoto Barbeiro e de outros jornalistas que criticaram Serra, ficou parecendo que o candidato tucano projetou nos adversários traços de sua própria personalidade. Freud descreveu bem este fenômeno incurável (que é muito semelhante ao que tinha o jovem Hitler, quando foi recusado como paciente pelo pai da psicanálise). E a história do século 20 aí está para provar que é melhor deixar os neuróticos longe do poder.

A receptividade e gentileza empregadas por vários órgãos de imprensa à candidatura tucana parecem ter deixado Serra mal acostumado. Ele tem demonstrado acreditar que os jornalistas e cidadãos têm liberdade de imprensa e liberdade de expressão para falar bem dele e para falar mal do governo e da candidata petista. Quem fala mal dele ou bem do governo, faz isto porque é pressionado ou subornado.

Ao acusar seus desafetos de abusar da liberdade de expressão, o candidato Serra cometeu um deslize imperdoável. Afinal, a liberdade de expressão é um direito humano consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. O filósofo Paul Smith (Filosofia moral e política, editora Madras, 2009) defende a tese de que os Direitos Humanos não precisam ser merecidos pelos interessados no seu exercício, mas decorrem do fato de eles serem humanos. Lula respeitou a liberdade de expressão daqueles que o criticaram durante o mensalão do PT, e nós temos todas as razões para esperar que Serra faça o mesmo durante sua campanha presidencial em relação àqueles que o criticam.

Alguém já disse que na República de Platão não tinha lugar para ninguém a não ser Platão. Mas Serra nunca será platônico, pois Platão defendia um regime aristocrático baseado no conhecimento e Serra se diz um democrata. Mas na democracia de Serra parece que só tem lugar para a imagem que ele pretende fazer e divulgar de si mesmo.

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Na segunda-feira (16/8), o Jornal da Band levou ao ar uma reportagem sobre a Escócia. Os jornalistas referiram-se à tradição do kilt, cujos padrões dos tecidos identificariam os clãs que resultaram dos casamentos entre membros das tribos que ocupavam as terras altas e irlandeses que migraram para a Escócia no século 5 dC.

Em sua obra A invenção das tradições, Eric Hobsbawn afirma que:

‘…pode ser que muitas vezes se inventem tradições não porque os velhos costumes não estejam mais disponíveis nem sejam viáveis, mas porque eles deliberadamente não são usados, nem adaptados.

Assim, ao colocar-se conscientemente contra a tradição e a favor das inovações radicais, a ideologia liberal da transformação social, no século passado, deixou de fornecer os vínculos sociais e hierárquicos aceitos nas sociedades precedentes, gerando vácuos que puderam ser preenchidos com tradições inventadas.’

Segundo o livro citado, o kilt escocês é uma destas tradições inventadas. Um dos ensaios da obra assegura que o kilt (ou saiote masculino escocês) foi inventado durante a Revolução Industrial por um inglês. Os padrões dos tecidos utilizados para a confecção dos kilts são modernos e não tinham, a princípio, qualquer relação com os clãs escoceses.

Consulta recomendável

O kilt foi introduzido na Escócia para substituir um traje tradicional escocês cuja utilização dificultava o trabalho nas fábricas. Foi somente no século 20 que o kilt passou a ser tratado como uma antiga e venerável tradição escocesa. Também data do século 20 a criação desta história divulgada pela Band de que cada clã sempre teve seu próprio tartan (padrão de tecido).

O jornalista que fez a matéria não tem obrigação de conhecer o livro A invenção das tradições. Mesmo assim, seu equívoco é imperdoável, pois a informação correta sobre o kilt está disponível na internet:

‘Os kilts foram um produto da revolução industrial. Seu objetivo não foi preservar costumes veneráveis, mas o contrário – afastar os highlanders das urzes e levá-los para a fábrica. O kilt não apareceu como o traje nacional da Escócia. Os lowlanders, que formavam a ampla maioria do povo escocês, viam os trajes usados nas highlands como um forma bárbara de vestuário que em geral encaravam com algum desprezo. De maneira semelhante, muitos dos tartãs de clã hoje usados foram traçados durante o período vitoriano, por alfaiates empreendedores que, com razão, viram neles um mercado.’

Sobre os tartans, a wikipédia afirma o seguinte: ‘Como símbolos dos clãs escoceses, os tartans começaram a ser usados apenas no século XVIII.’

É realmente lamentável que a Band tenha veiculado a matéria sem consultar um historiador. (Fábio de Oliveira Ribeiro, advogado, Osasco, SP)

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Por que o horário eleitoral deve ser obrigatório? Pagamos pelo horário eleitoral! Penso que os partidos é que deviam pagar para todos nós. Infelizmente, através de um longo processo histórico, o povo brasileiro não tem a cultura da memória. Não sabe como votar. Recebe literalmente ‘lavagem cerebral’ e muitos ‘favores’ (e assistencialismo) para votar. Com isso, toda uma coletividade (nação) paga um preço incalculável (por vezes com a própria vida). (Rodrigo Menezes de Campos, biomédico, Recife, PE)

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Advogado, Osasco, SP