Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia e a mulher de verdade

Quem disse que a cobertura de moda pela imprensa só é feita com a linguagem cifrada dos ‘navy’, ‘transparências’, ‘look nipo-indígena’ e outros blablablás?


O grande ‘furo’ (mal explorado, aliás) desta temporada foi a definição de ‘mulher real’. Graças à estilista Karla Girotto ficamos sabendo que a ‘mulher de verdade’ veste manequim que vai do 44 ao 50. Como não existem modelos de carne e osso acima do manequim 40, as mulheres ‘reais’ foram representadas por imensos balões brancos nos quais as roupas ficavam penduradas ‘para dar idéia de leveza’.


Talvez chegue um dia em que a estilista perca o medo e ouse contratar manequins do tamanho das mulheres para quem as roupas foram feitas. Ou seja, as consumidoras que fazem do mundo da moda um negócio altamente lucrativo.


Como se estivesse se desculpando pela ousadia, a estilista fez questão de explicar à imprensa que quer discutir o padrão tradicional, mas não quer revolucionar a moda:




‘Fazemos as roupas para modelos magrinhas desfilarem porque ajuda a roupa a ficar mais bonita, é visualmente mais interessante. Mas confesso que estas peças para os tamanhos das modelos são difíceis de vender. Ninguém veste os tamanhos das modelos magrinhas’.


Modelos esguias


Pode ser que no dia em que as ‘mulheres de verdade’ tenham permissão para pisar na passarela, a imprensa comece a tratar moda mais como um negócio do que como uma reunião de celebridades. Quando ficamos sabendo pela internet que cada comprador – brasileiro ou estrangeiro – leva duas mil, três mil, cinco mil peças, aí temos uma vaga noção de que atrás de todo aquele linguajar cifrado da imprensa rolam negócios. Negócios altamente lucrativos.


Os compradores, homens e mulheres que realmente decidem o que as mulheres vão usar na próxima estação, passam despercebidos pela imprensa. Se não são socialites, modelos ou celebridades, estão banidos da pauta de jornais e revistas. Mas são eles, no final das contas, os que decidem o que a senhora chique de Fortaleza ou a comerciária de Porto Alegre vão encontrar nas lojas na primavera e verão do ano que vem.


São eles, em última análise, que decidem se temos que nos apertar em modelos feitos para as esguias top models ou se vamos continuar usando um modelo antiquado porque não aceitamos a idéia de mostrar as costas, a barriga ou seja lá o que for que os estilistas resolveram destacar na próxima temporada.


‘Clima de normalidade’


Os leitores e leitoras estão – e não é de hoje – merecendo um pouco mais de informação quando se trata de moda. É preciso explicar como a roupa criada pelos gênios da moda acaba chegando à arara de determinada loja e, principalmente, quem decide o que vai ser moda nas metrópoles. Moda que depois vai ser copiada, mal adaptada e mal realizada nas mais distantes e pobres cidades do interior do Brasil.


Enquanto a imprensa continuar dando atenção apenas às celebridades, a moda continuará a ser, no Brasil, assunto que só interessa aos fofoqueiros de todos os níveis sociais. Vamos saber que as saias estão mais longas ou mais curtas, que o jovem estilista resolveu largar tudo para estudar, e só muito raramente teremos algumas pitadas de realidade nesse falso glamour com que a imprensa cerca os desfiles.


Neste ano, por exemplo, tivemos duas histórias diferentes: a da mocinha que viajou do interior com dinheiro contado para poder ver os desfiles da São Paulo Fashion Week e a do prefeito da cidade, presente à abertura ‘porque é importante manter o clima de normalidade’ enquanto o PCC mais uma vez tumultuava a vida dos paulistanos.

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Jornalista