Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A mídia não está nem aí

A reportagem ‘O mar não está para peixe‘ do JC Online, um dos portais mais importantes de Pernambuco, tentou alertar a população do estado para a queda das populações de peixes no litoral pernambucano. O problema mundial da decadência da vida marinha nectônica, causado majoritariamente pela pesca em grande escala, a qual por sua vez alimenta um rico mercado de carne branca – a saber, infelizmente incentivado de forma irresponsável pela mídia e por grande parte dos nutricionistas –, também atinge o Nordeste, pelo que foi mostrado.

Entretanto, o portal falhou miseravelmente em prover consciência ambiental – se é que essa foi uma de suas intenções – e ignorou totalmente o debate sobre direitos animais que está acontecendo em todo o planeta, preferindo se restringir a induzir os leitores ao compadecimento pela situação dos pescadores. A vida dos animais marinhos e a importância ambiental dos mesmos nada valem para a reportagem em questão, ao contrário dos interesses daqueles cuja profissão não existiria sem mortes em massa.

Há na reportagem um forte e indiscutível viés favorável ao setor pesqueiro, em detrimento da ecologia e dos direitos animais. Ela protege os pescadores artesanais e chega praticamente ao ponto de sacralizá-los perante a sociedade quando cita a integrante da ONG Conselho Pastoral dos Pescadores, que afirma que ‘o pescador é um excluído. A sociedade tem uma dívida social com esses profissionais’.

Mero estoque alimentício

O foco da abordagem de forma nenhuma é a crise ambiental-faunística do litoral pernambucano, mas o declínio do ‘estoque’ – palavra do jargão pesqueiro para populações locais de peixes, crustáceos e moluscos, as quais são reduzidas a um mero estoque alimentício à disposição do ser humano – e a consequente dificuldade econômica dos pescadores. Parece que o único fim da existência desses animais é ser o prato dos humanos e nada mais, nunca viver sua vida ou compor o ecossistema marinho local.

Na sanha de passar a mão na cabeça de um setor que mata bilhões de animais por ano – quase sempre infligindo muito sofrimento – e está ameaçando de extinção grande parte das espécies ‘comerciais’ de peixes, moluscos e crustáceos de todo o planeta, rebaixa-se e desfavorece-se a necessidade ética e ambiental de se preservar os peixes ao diminuir-se o peso da responsabilidade da pesca na decadência das populações marinhas pernambucanas. A parte escrita da publicação se restringe a apontar a poluição e destruição dos mangues como fator diminuidor da fauna marinha, estando o problema da pesca em grande escala restrito ao vídeo da explicação da professora da UFPE – e ainda reduzido a fator secundário por ela.

Além disso, evita-se a todo custo recomendar o abandono ou pelo menos a moderação do consumo de carne de peixes. Usa-se uma linguagem que não trata os peixes como seres sencientes ou atores do espetáculo da natureza, mas sim como mero estoque alimentício, tal como frutas em um pomar agrícola, e a todo momento naturaliza-se o consumo da carne desses animais. Aborda-se o problema não sob uma ótica ambiental, como um problema ecológico de fauna entrando em extinção, mas sim, sob um olhar estritamente pesqueiro, como um problema que parece afetar mais os pescadores que os próprios animais ou o meio ambiente oceânico.

Um antológico gol contra

Quem lê a reportagem do JC Online com senso crítico conclui que ela não melhora em nada a situação dos peixes, nem tampouco conscientiza a população para nada. Reportagens como essa que só observam o lado dos pescadores e ignoram completamente o dos peixes e do meio ambiente, muito pelo contrário, só tornam o consumo de carne ainda mais naturalizado, banal e irresponsável. Ela não induz a população, que é quem compra e come os peixes que os pescadores estão exaurindo da natureza, a enxergar sua própria responsabilidade nessa crise ambiental. Pelo contrário, irá se compadecer da situação dos pescadores e, num sentimento de solidariedade, provavelmente comprará ainda mais deles, mesmo os peixes pequenos que outrora não eram pescados.

A verdade é que a situação da vida nos mares e oceanos de todo o planeta só vai piorar enquanto os pescadores continuarem sendo tratados pela imprensa como os maiores coitados da história – coisa que não são, porque não são eles que estão sendo massacrados aos bilhões todos os anos –, os peixes não forem reconhecidos como seres que querem viver e deveriam ser preservados e mantidos vivos, o vegetarianismo for completamente ignorado como solução para a salvação da vida marinha e o lado ambiental da crise da vida marinha for menosprezado em promoção ao lado econômico (pesca comercial) da coisa. Nesse sentido, o JC Online fez um antológico gol contra em se tratando de conscientização e responsabilidade ambiental, pelo bem de quem pesca, pelo mal de quem é pescado.

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Estudante de Ciências Sociais, Recife, PE