Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A opinião pública e a publicada

Denunciados, os políticos reagem dizendo que os jornais não representam a sociedade. A imprensa é porta-voz do povo? A censura é só um problema da mídia? Quatro pesquisadores e um humorista discutem a questão.

Emerson Urizzi Cervi *

A discussão sobre se a imprensa representa ou não a opinião pública lembra a anedota sobre a discussão a respeito de um copo de água pela metade.

Olhando para a parte de cima do copo, diz-se que está meio vazio. Da parte de baixo diz-se que está meio cheio. É preciso considerar que os meios de meios de comunicação de massa não são apenas ‘espaço para debate’; se o fossem, representariam totalmente a opinião pública – não é o caso. Eles também são ‘atores’, com interesses e demandas como qualquer outro ator social envolvido no debate público. Sendo assim, meios de comunicação são parcialmente capazes de representar a opinião pública, porém, como também são agentes interessados, geram uma distinção entre opinião pública e opinião publicada.

Em um sistema comercial de mídia, como o brasileiro, jornais que se afastam da opinião majoritária da sociedade tendem a perder espaço no debate público. Portanto, a mídia precisa equilibrar a função de espaço para debate com seus próprios interesses.

Por outro lado, em democracias de massa contemporâneas, não há outra forma de promover um debate com toda sociedade que não seja pelos meios de comunicação.

Qualquer representante público sabe que não pode abrir mão da mídia como ‘espaço’. Mas, é preciso considerar que parlamentares que se elegem com menos de 3% de votos de seu distrito eleitoral não estão, necessariamente, interessados no debate público. Eles conseguem entrar em contato com essa pequena parcela da população diretamente e, nesse caso, também não há interesse no debate público de fato.

* Jornalista e cientista político, professor da UFPR, autor da tese ‘Opinião pública e política no Brasil’

Marcus Figueiredo *

Opinião pública é um ente social, singular, que expressa um sentimento, um desejo, uma expectativa de uma sociedade.

É pública porque alheia, acima de interesses coletivos, particulares ou privados. É pública porque construída publicamente, em espaços públicos, através do debate. A mídia é, hoje, o espaço público por excelência, que veio substituir a tradicional ‘praça com uma tribuna’. Por isso mesmo seus veículos, jornais, TVs, rádios e internet têm que ser protegidos contra a censura e a usurpação da opinião pública pelo poder, seja econômico, social ou político.

À mídia, como espaço de comunicação, convergem opiniões em confronto. À mídia, enquanto espaço público, compete divulgar, e mesmo comentar, o confronto, e extrair dele a opinião convergente, ilesa, protegida das paixões.

Exemplo é o confronto que assistimos hoje na crise do Senado: do confronto direto e eventuais golpes baixos das partes, do noticiário, e dos comentários sobre estes se formou a opinião convergente, publicamente construída, alheia às paixões, que expressa o desejo público de se por um fim à prática do nepotismo, do patrimonialismo e do mandonismo, com ou sem Sarney.

* Professor e diretor de pesquisa do Iuperj, autor de A decisão do voto: democracia e racionalidade

Ana Paula Goulart Ribeiro *

Os meios de comunicação em geral, tal como se configuraram historicamente no Brasil, nunca conseguiram se separar totalmente da política.

Nas suas mais variadas formas e tendências, a política sempre teve uma relação simbiótica, ainda que tensa e ambígua, com a mídia.

É normal que alguns políticos – que muitas vezes usam a mídia para defender seus interesses – reclamem dela, quando não se sentem devidamente representados.

Por outro lado, os meios de comunicação jamais são neutros.

Ainda que possam falar em nome da objetividade e da imparcialidade, têm posições e opiniões. É normal que assim seja.

Tal como a política, a mídia, no entanto, precisa construir credibilidade e legitimidade social.

E aí entra o ‘povo’ ou a ‘opinião pública’, essas entidades abstratas em nome das quais se constroem as expectativas em torno do papel social dos meios de comunicação, sobretudo os jornalísticos.

* Professora da ECO/UFRJ, autora de Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 50

Marcelo Madureira *

Censura é uma merda. Sou totalmente contra qualquer tipo de censura. Defendo o direito inalienável de livre manifestação e de opinião de cada indivíduo. Toda e qualquer censura é um instrumento totalitário a serviço do obscurantismo, porque a censura impede a coexistência da divergência, do contraditório, e do debate.

O humor, como não poderia deixar de ser, é um dos alvos preferidos dos poderosos de plantão, principalmente quando debocha de nossas contradições, nossas mazelas, nossos defeitos e, principalmente, da nossa hipocrisia . O humor nos coloca em frente ao espelho mostrando o que existe de patético em nossa insignificante existência. A sociedade tem no humor uma arma poderosa contra o atraso e a ignorância que grassam pelo mundo.

O problema é que cada vez mais vão se colocando na forma da lei normas que nada mais são do que formas veladas de censura.

Basta ver a legislação eleitoral, feita de propósito para proteger candidatos do livre escrutínio dos eleitores; basta ver a lei que determina o andamento de processos em segredo de justiça; basta ver a legislação que cuida dos chamados ‘direitos de imagem’. Isso para não falar da censura econômica exercida por alguns anunciantes, principalmente por governos, órgãos públicos e empresas estatais.

Também não podemos esquecer as famosas ‘ongues’ e ‘organizações de representação da sociedade’ que se auto-outorgam o direito de defender desde os anões pernetas e caolhos (quero dizer, os indivíduos verticalmente limitados) até a Associação de Afro Brasileiros Quilombolas de Origem Asiática.

Todos estes segmentos se ofendem facilmente, mas nada que não se resolva com uma boa indenização por danos morais. Sempre na ordem do milhão de dólares.

O que é pior de tudo é que a censura vai criando dentro de cada um de nós um personalcensurator Tabajara. O exercício da censura passa a ser uma prática corrente e socialmente aceitável, como no caso de Roberto Carlos que, tal e qual um Goebbels fora de época, mandou queimar milhares de livros.

Tenho dito.

* Humorista, integrante do grupo Casseta & Planeta. E censurado

Vera Chaia *

A imprensa é detentora de um poder político muito grande, pois é responsável pela elaboração da pauta jornalística, como também é responsável pela formação da opinião pública, que se informa e toma posições políticas a partir deste referencial transmitido pelos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, a imprensa abre espaços para manifestações e debates, assumindo uma postura de representante dos cidadãos, apesar de seus profissionais não terem sido eleitos para tal atividade.

Este fato não desautoriza e não desqualifica a imprensa de exercer seu papel de controle, fiscalização e investigação, divulgando os fatos políticos e cobrindo as atuações das autoridades políticas, já que possuem as ferramentas e a experiência propiciada pelo jornalismo.

É neste sentido que devemos compreender o jornalismo investigativo, que pressupõe que os jornalistas tenham um papel ativo, envolvendo um trabalho de averiguação e de busca de fatos que comprovem determinadas denúncias.

A preocupação maior deste tipo de jornalismo é comunicar aos cidadãos os aspectos da vida pública que políticos e funcionários públicos gostariam de manter em segredo. São averiguadas as dissidências internas, as negociações espúrias, o uso irregular de dinheiro público, os escândalos políticos envolvendo não só questões públicas, mas a vida privada de políticos e/ou funcionários.

Qualquer tipo de cerceamento e de censura à imprensa é um retrocesso e uma afronta ao regime democrático e deve ser combatido.

* Professora da PUC-SP, autora de Jornalismo e política: escândalos e relações de poder na Câmara Municipal de São Paulo