Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A polêmica em torno de Ronaldinho

A novela ‘Ronaldinho Gaúcho na seleção’ vai permanecer um pouco mais na boca do povo. Há quem defenda com unhas e dentes a presença do camisa 80 do Milan na seleção e, no entanto, da mesma forma, há quem não apóie a convocação do jogador. Um suposto trecho de uma entrevista feita com o presidente Lula pela Associated Press se tornou polêmico, pelo menos por um dia, na internet.

No dia 10 de março, portais de notícias internacionais de várias partes do mundo publicaram uma suposta declaração de Lula sobre Ronaldinho Gaúcho. O tema não era exclusivamente futebol, mas em um determinado momento, menos formal, o entrevistador teria pedido a opinião do chefe de Estado brasileiro sobre o assunto. Lula teria dito que o jogador milanista não merece uma vaga no time de Dunga, para disputar a Copa do Mundo da África do Sul, pois nunca foi decisivo usando a amarelinha [presidente Lula sobre Ronaldinho: ‘Ele não merece jogar a Copa do Mundo’; disponível aqui; aqui e aqui.].

Frase não foi dita

E, como era de se esperar, diversos veículos brasileiros que lidam com esporte reproduziram exatamente a tal declaração. Não é novidade que sites usem e abusem de frases bombásticas, contestáveis ou não, como manchetes de suas notícias. Portais como o Globo Esporte, a Gazeta do Povo, o Jornal do Brasil… Isso sem contar os reprodutores de informações, que em vez de produzirem novos conteúdos ou dedicarem tempo para uma melhor apuração, multiplicam o que flutua na rede, em busca de novos acessos.

O grande problema é que a suposta declaração de Lula não ocorreu. Inclusive, o entrevistador da Associated Press não pediu, especificamente, a opinião do presidente sobre o jogador, e sim, sobre o trabalho realizado por Dunga. Em nenhum momento foi mencionada uma palavra sobre Ronaldinho. Sobre o trabalho do comandante da seleção, Lula destacou o fato do técnico convocar aqueles que têm tido boas perfomances atualmente, aliado ao critério de confiança, ou seja, levar jogadores que cumprem as orientações dentro do esquema tático exigido pelo treinador. A declaração pode até ser interpretada, mas a frase em questão, veiculada no mundo todo como verdade, não foi dita.

Informação sensacionalista

Foi engraçado, pra não dizer trágico, ver boa parte desses veículos se desculpando por meio de erratas [errata: ‘Presidente Lula não disse `Ronaldinho não merece jogar a Copa´’, disponível aqui]. A Gazeta do Povo conseguiu publicar a errata de forma mais confusa ainda, dividindo uma questão da agência de notícias em duas partes, atribuindo a segunda como frase do presidente [‘Presidente Lula não disse `Ronaldinho não merece jogar a Copa´‘]. Segundo Alan Clendenning, diretor de redação da Associated Press, tudo começou com um suposto erro de tradução do site Goal.com [‘Brasil: El presidente Lula no cree que Ronaldinho deva ir al Mundial’, disponível aqui]. Usado como referência, a informação se tornou, no mínimo, sensacionalista.

O tempo no jornalismo on-line

Afinal, o que é o tempo em meio a esse dilúvio informacional? O profissional de imprensa, de modo geral, só têm tempo para produzir, mas não para checar o bastante. E o leitor, infelizmente, mal tem tempo para ler e selecionar as notícias. Creio que seja extremamente importante para reflexão, as palavras ditas pelo editor de esportes da Folha de S.Paulo, José Henrique Mariane, no último MediaOn, quando afirmou que o jornalismo on-line tem sido uma colagem de informações de outras plataformas [‘Jornalismo esportivo online não existe, diz editor da Folha‘, disponível aqui ].

Mas de quem é a responsabilidade? Devemos desconfiar quase que totalmente do que é produzido em veículos on-line? Bom, de certa forma, não podemos ler uma informação e nos contentarmos com ela. Mas e se eu não tenho tempo para fazer um acompanhamento contínuo dessas notícias? A investigação, no sentido mais profundo, perdeu bastante do seu peso com a produção noticiosa on-line. No entanto, alguns jornalistas precisam relembrar diariamente seus princípios éticos, ou seja, para quê e para quem eles estão escrevendo e informando. Imagino que isso seja um pouco mais viável do que duplicar as horas do dia do leitor para, quem sabe, existir esse acompanhamento.

Em tempo: A Folha de S.Paulo tentou usar de uma interpretação pouco mais amena, mas ainda enfocando o nome de Ronaldinho [‘Lula defende Dunga por deixar Ronaldinho fora da seleção brasileira’, disponível aqui]. O Estado de S. Paulo não publicou nada sobre o ocorrido, pelo menos em sua versão gratuita.

Trecho da entrevista

Veja o trecho da entrevista em que Lula fala sobre o trabalho do técnico Dunga:

Associated Press: Presidente, eu queria aproveitar para pedir um palpite para o senhor sobre a Copa do Mundo na África do Sul. Como acha que vai estar o Brasil aí nessa Copa? Dunga falou uma coisa: que jogador que está fora da seleção é melhor do que o que está dentro. O senhor acha que está faltando algum jogador na Seleção?

Presidente Lula: O que o Dunga falou?

Associated Press: Que jogador bom é aquele que está fora, que não é convocado, não é? O jogador ruim é aquele que está dentro. Acho que, um pouco, falando sobre o caso Ronaldinho.

Presidente Lula: Bem, eu acho que o Dunga fala com autoridade moral. É importante lembrar que em 90 o Dunga foi acusado do fracasso da Seleção brasileira na Itália, não é? E, em 94, o Dunga voltou e foi campeão do mundo nos Estados Unidos, como capitão da seleção brasileira. No Brasil é o seguinte: cada um de nós é um técnico. O Brasil tem 190 milhões de técnicos, todo mundo é metido a entender de futebol. Então, normalmente acontece. O técnico, que tem a responsabilidade de consultar seus assessores e convocar, de repente as pessoas ficam dizendo: ‘Ah, mas tal jogador que não foi convocado é melhor’. Se tem uma coisa que eu gosto no Dunga é que ele está convocando jogadores que, naquele momento, estão jogando melhor. Esse é um critério. O outro critério é o critério da confiança. Não basta o jogador ser bom, é preciso saber se o jogador tem a confiança do técnico no cumprimento das orientações táticas que o técnico dá, porque futebol é um esporte coletivo, ou seja, não basta você ficar rebolando sozinho, você tem que chegar no gol do adversário e marcar gol. E eu acho que o Dunga está fazendo um bom trabalho de equipe. Então, eu … O Dunga tem sido um técnico de sucesso no Brasil, mais do que muita gente famosa que dirigiu a seleção brasileira.

******

Estudante de Jornalismo do Unasp, Engenheiro Coelho, SP