Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A polêmica pela polêmica

Trem das Onze é ótima para se cantar, o que ajuda a explicar por que virou uma obra-prima sem sê-lo. Adoniran é um compositor superestimado, estando no nível do segundo time dos sambistas cariocas’ (Luiz Fernando Vianna, Folha de S. Paulo, 23/04/2007).

‘Para o jornalista Marcelo Tas (…), aos olhos de hoje todo o cenário da música engajada parece fazer parte de ‘um programa de humor’. Quem gostava desse tipo de música nos anos 70/80 era o pessoal de `barba e bolsa´, que já formava um estereótipo naquela época.’

‘A música brasileira de protesto sempre foi muito superior artisticamente à desses outros países. É por isso que a brasileira resistiu e a latino-americana parece hoje uma caricatura’ (Fagner, Folha de S. Paulo, 03/04/2007).

Há anos, o gosto pela polêmica (muitas vezes gratuita) do jornal Folha de S. Paulo pauta seus articulistas (ou são contratados justamente pelo estilo). As improvisações de Pixinguinha ao sax já foram ‘ingênuas’, a obra de Rita Lee insignificante, e, recentemente, a música latino-americana teve sua qualidade artística praticamente ridicularizada.

À exceção deste último caso, a Folha possibilitou a réplica: no caso de Pixinguinha, o publicitário Carlito Maia escreveu uma pequena e bonita nota publicada no ‘Painel dos leitores’, Rita Lee teve o mesmo espaço para rebater e Adoniran Barbosa foi defendido pelo músico Livio Tragtenberg.

Problema é a esquerda?

Mas quando a polêmica é vazia? Por exemplo, alguém diz que Pelé, hoje em dia, seria no máximo reserva da atual seleção brasileira de futebol. Sem problemas, basta que justifique a tese. Simplesmente dizer que Adoniran é um sambista de 2ª categoria passa a impressão de que apenas o gosto, ou a incompreensão, ou até o preconceito do articulista está em questão. A música propriamente dita não é objeto de análise.

Caso idêntico à musica andina. Difícil crer que Fagner tenha dito o que disse no contexto apresentado. O próprio Marcelo Tas se justificou depois (a este missivista), dizendo não ter nada contra a música andina, mas sim, contra o estereótipo ‘bicho-grilo’ e seu canto de protesto (o problema então é a esquerda?). A matéria passou de roldão sobre uma gama de compositores, como Silvio Rodríguez, Horácio Salinas (só para citar dois gênios absolutamente desconhecidos para os brasileiros) e tantos outros, como se a existência deles nada significasse. Tudo pela polêmica.

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Músico, São Paulo, SP