Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A reportagem e os US$ 4 bi

A revista Veja (nº 1876, de 20/10/04), semanário de maior circulação do país, apresentou uma matéria que pouco acrescentou para aprimorar a Polícia Federal. A revista publicou uma matéria sem profundidade e, principalmente, pretensiosa, sobre a Polícia Federal brasileira.

Uma revista semanal precisa fazer uma matéria ‘de capa’ por semana. Os jornalistas sabem que a mesma tem obrigação de causar impacto para dar lucro à empresa que a edita e paga seus salários. William Faulkner disse que, alguém, para escrever um romance precisa de três predicados: imaginação, experiência e observação. Explicava, entretanto, que na falta de um ou até mesmo de dois dos atributos, mesmo assim, era possível escrever um bom romance. Da mesma forma, uma revista precisa de alguns atributos para abordar algo interessante: um bom assunto, uma capa chamativa e repórteres competentes. Nessa edição, a Veja só teve dois: um bom assunto e uma capa chamativa.

A reportagem produzida pela Veja conseguiu desmentir Faulkner: só com a capa chamativa e um bom assunto a revista não conseguiu produzir uma boa matéria. Limitou-se a fazer comentários pelas bordas, pelas beiradas, sem se aprofundar. É verdade que o título escolhido foi feliz. A Policia Federal faz uma limpeza, tardia, é verdade, mas faz, atitude essa que todos os bons policiais aplaudem.

A revista peca, entretanto, quando não pratica o jornalismo investigativo que sugere a matéria e repete o que o diretor-geral, de maneira maldosa e sem comprovação, diz. O DG informa categoricamente: ‘O DPF é composto por três tipos de gente: dez por cento de policiais corruptos e dez por cento de homens combativos e indignados com essa corrupção. Os outros 80%, embora honestos, ainda fazem vista grossa aos colegas que cometem delitos’.

Foi maldoso, sim. Deveria saber que policiais, devido, principalmente, ao perigo que ronda seu dia-a-dia precisam de confiança mútua. Que a seleção deve ser feita pelo órgão, que tem o dever de selecionar gente de bem. Deveria saber que esta seleção não deve ser feita através de delações como ele aconselha na reportagem.

Ele, que é apresentado pela revista como alguém que confessa uma ‘falta de pendor para tiroteios’, precisa se dar conta de que além do trabalho de inteligência, polícia dá tiro, que polícia morre e, às vezes, para não morrer, precisa até matar. Deveria saber, também, que se envolver em tiroteios não é mérito nem demérito, apenas compõe a atividade de qualquer polícia do mundo – falta de pendor para tiroteios não é currículo para ninguém, muito menos para um diretor-geral. Quem já matou, quem já morreu não merece ser desqualificado; tal atitude machuca, dói. Quem achar o contrário, que mude de profissão.

Reivindicação histórica

Aos companheiros que desenvolvem seu trabalho na área de inteligência, embora não seja preciso, reafirmo a importância do trabalho deles e os cuidados que se deve adotar. Todos sabem que é imprescindível o trabalho ali desenvolvido. Agora, a reportagem dizer que seus integrantes não almoçam com seus colegas, não vão a festas de confraternização e têm os rostos desconhecidos por seus pares – que, volta e meia são obrigados a investigar – é demais!

Ninguém é melhor ou pior do que ninguém por exercer esta atividade. Este tipo de procedimento não pode prosperar. Falo isso sem nenhum temor e com conhecimento de causa, pois exerci a chefia do Serviço de Inteligência em um estado da federação por vários anos. Juntamente com os demais companheiros, nunca deixei de participar de nenhuma confraternização. Fiz vários cursos no país e no exterior e, pedindo desculpas pela imodéstia, saí do setor com uma ficha repleta de elogios.

A própria revista diz que, depois de anos de investigação, a Polícia Federal prendeu 44 de seus integrantes. Diz, também, que a organização é composta por 7.800 policiais. Isto dá um pouco mais de 0,5% de policiais com desvio de conduta. Como todos podem observar, a Polícia Federal do Brasil tem um comportamento aceitável por parte dos seus integrantes. É exemplo para qualquer polícia do mundo.

Diz a revista que o ponto de partida para esta autolimpeza começou a ser montado em 1997 ‘com um concurso para novos agentes – desde então, obrigatoriamente portadores de um diploma de curso superior’. A revista Veja não investigou ou não quis tornar público que essa nova era, que inclui o nível superior para todos, foi uma luta das entidades de classe dos policiais federais. Não investigou, também, que esse ponto de partida só não foi concluído, ainda, porque o governo se nega a remunerar os policiais como profissionais de nível superior que são. Da mesma forma o governo se nega a implantar outra reivindicação histórica que é a implantação de uma carreira com início, meio e fim. Os novos policiais, com uma carreira pela frente, precisam ficar na fila, aprendendo a ser polícia, para depois serem chefes, se for o caso.

Ameaça de despejo

Outro absurdo. A reportagem diz, no meio da extensa matéria, que ‘uma torrente de críticas parte do sindicato da categoria’ contra investigações feitas envolvendo policiais. Não é verdade. Nenhum sindicato integrado por policiais federais apoiou ou apóia desvios de conduta de quem quer que seja. A ‘torrente’ trata-se, singelamente, de uma frase, nada mais do que uma frase.

O vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) João Valderi de Souza, citado apenas como ‘um policial’, teria dito que esconder as investigações ‘fere a ética da categoria e coloca colegas sob suspeita promovendo a desmoralização de policiais’. Diz a revista que isto é uma atitude corporativista. Para rebater tal afirmação não precisa muito esforço. A própria Corregedoria da Polícia Federal, recentemente, determinou aos delegados que abram inquérito antes de solicitar à justiça mandados de busca e apreensão ou a quebra de sigilos bancários, fiscais ou telefônicos. O que o vice-presidente da Fenapef quis externar foi apenas sua preocupação contra injustiças e julgamentos apressados.

Finalizando, não poderia deixar de comentar o que é dito sobre a Polícia Federal dos americanos, o famoso e legendário FBI. Diz a matéria que o mesmo já foi um ‘antro de corrupção’ e é hoje a melhor polícia do mundo. Dizem, ainda, que o FBI tem doze mil agentes e um orçamento anual de 4,3 bilhões de dólares, mas seu principal patrimônio é o respeito. Por favor, com 4,3 bilhões de dólares, cifra superior ao PIB de alguns países, a dificuldade seria escolher onde aplicar tantos recursos.

Na Polícia Federal brasileira poderiam começar pela fronteira da Venezuela, onde o nosso efetivo é composto de UM policial… Às vezes, não temos verba suficiente para pagar pela limpeza de instalações e já sofremos até ameaças de despejo. Imaginem, 4,3 bilhões de dólares. Com essa montanha de dinheiro poderíamos até conviver com diretores com falta de pendor para tiroteios e perseguidos por loiras vistosas em piscinas, vestidas em minúsculos biquínis…, segundo a revista.

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Jornalista e bacharel em direito