Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A revista feminina da Al-Qaeda

É isso mesmo, você não leu errado. Por mais inusitado que pareça, estou falando de uma revista que está sendo conhecida como ‘Cosmopolitam da jihad‘. Tendo esse apelido, há de se convir que não é pouca coisa. Acha impossível? Leia um pouco da notícia que encontrei navegando no portal Imprensa e descubra.

A organização terrorista Al-Qaeda lançou no mês de março uma revista para mulheres que reúne dicas de beleza, moda e orientações sobre a luta contra ‘os inimigos do Islã’. A publicação Al-Shamikha (Mulher majestosa), com 31 páginas e toda escrita em árabe, publica na capa da primeira edição a imagem do cano de uma submetralhadora ao lado de uma mulher coberta com a burca em um fundo rosa, relata o blog De Olho na Jihad citando o Daily Mail (veja matéria do Portal Imprensa).

Achou absurdo? Provavelmente sim, mas pense: há revistas para todos os públicos. Por que uma organização terrorista não poderia ter a sua? É uma questão de nicho e oportunidade. Sobre o que a Al-Shamikha fala? Sobre as mesmas coisas que normalmente estão em pauta em uma revista feminina, porém dentro do contexto de quem vive a realidade desta organização. Há colunas sobre moda e beleza, dicas para encontrar o ‘marido ideal’ e o sobre seu papel na jihad.

O editorial explica que o objetivo da revista é educar as mulheres e envolvê-las na guerra contra os inimigos do Islã, pois elas representam metade da população muçulmana. ‘Os inimigos do Islã estão empenhados em impedir que a mulher muçulmana saiba a verdade sobre sua religião e seu papel, pois sabem muito bem o que aconteceria se as mulheres entrarem de vez na jihad.’

Rótulos, responsabilidade e reflexão

A ‘coluna de beleza’ instrui as mulheres a ficarem em casa também com os rostos cobertos, mantendo sempre a ‘boa aparência’.O niqab, conhecido véu usado para cobrir os cabelos e a face, é ‘parte dos desígnios de Deus Todo-Poderoso’ e a burca foi criada para protegê-las do sol. Outro artigo incentiva as leitoras a dar a vida pela causa islâmica, que ‘pelo martírio, os fiéis têm garantia de segurança e felicidade no paraíso’. O anúncio da próxima edição promete dicas sobre cuidados com a pele e como participar da jihad eletrônica.

Essa não é a primeira revista lançada pela Al-Qaeda. De acordo com o portal Imprensa, há uma outra, chamada Inspire, escrita em inglês e que tem como público-alvo os jovens muçulmanos do ocidente, incitando-os a aderir e participar de atos terroristas.

O que dizer a respeito? Nicho de mercado? Oportunidade? Doutrinação? Certo, há o intuito claro de doutrinação nesse caso, mas no fundo qual espécie de mídia não tem tal missão? Não é isso que se fala a respeito da imprensa? Educar? Convencer? Influenciar? A responsabilidade é enorme, mas a fama da imprensa e dos seus profissionais sempre foi negativa. Não faltam teorias conspiratórias nem filósofos de calçadas ou de botecos munidos de argumentos igualmente bêbados. O estranho é que poucos aceitam a ideia da imprensa como reflexo de uma sociedade ou, no mínimo, de seu público-alvo.

Agora temos o que dá para chamar de suprassumo do extremo: tão extremo que chega a ser inusitado. O que dizer? Talvez essa seja a prova de que existe público para tudo e doutrinamento para todos, seja lá em nome do que. Também há a ideia de que o certo e o errado são questões puramente contextuais, dependentes de valores enraizados por cultura, criação e ‘caráter’. E seja lá qual for o seu público, ele tem uma mídia que o atende ou corresponde seus anseios. Isso é ou não um reflexo? Não é como olhar para um espelho?

Ele pode não ser o mais fiel nem refletir a imagem mais bonita. Às vezes, distorce, mas na maior parte do tempo é cruelmente fiel ao mostrar o que nem sempre estamos dispostos a ver. Espelhos refletem e também exigem nossa reflexão. Pena que, às vezes, refletir sobre nós mesmos seja algo tão dolorido.

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Jornalista, São José do Barreiro, SP