Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A semântica dinheiral

Em 1990, o então ministro do Trabalho Rogério Magri cunhou o termo ‘imexível’. Incorporamos o neologismo que hoje consta dos melhores dicionários. Em 1997, Fernando Henrique Cardoso criou a palavra ‘inempregável’. A pessoa inempregável não consegue empregar-se. Empreguemos, pelo menos, o neologismo tucano. E agora outro político fez sua generosa contribuição lingüística. Roberto Jefferson lançou este ano o ‘mensalão’, que pouco depois teve um filhote, o ‘mensalinho’.

O mensalão vem integrar o patrimônio de palavras que se referem ao dinheiro em sua incontrolável mobilidade. Não se trata de mesada prevista ou mensalidade combinada. Mensalão é agressão, armação e, por fim, confusão.

Mensalão não é abono, ajuda financeira que vem a calhar. Mensalão dá, deu e dará em cassação. Mensalão é um adiantamento que não adianta. Só atrasa a vida pública, como vimos ao longo dos últimos meses. Mensalão é arrecadação, só que poucos assistem ao jogo. Mensalão é benefício de quem muito já se beneficiou. Mensalão é cachê para um canto desafinado, donativo sem irmã Dulce, não é lucro casual, é um caso sério!

Mensalão é empréstimo sem retorno, esmola de mau gosto, estipêndio com pouquíssimo serviço prestado, gorjetinha despropositada, herança maldita, honorários sem honra, imposto impostor, jetom que injeta nas veias da sociedade a vergonha, é o óbolo emblema do nada a ver, é o ordenado do pecado (na linguagem da bancada evangélica), é pagamento que apaga, esmaga, é a pensão que nos desaloja, é a premiação do antiprêmio, o pró-labore sem pró, só contra.

Palavras corriqueiras

Extra! Extra! Mensalão é gratificação extra. É a propina propriamente dita, é provento que os ventos levam, é recompensa que não compensa, é reembolso para aqueles mesmos bolsos, é remuneração sem a menor reação, é renda que os enredados teceram, é rendimento que rende muita dor de cabeça e deveria tornar-se ressarcimento, é salário salgado demais para o nosso paladar, é sinal, sinal vermelho, é subsídio que abre as portas do presídio, é subvenção reinventada, é vale que não vale a pena.

Graças à mídia, ‘mensalão’ e ‘mensalinho’, cosme e damião do mal, tornaram-se palavras corriqueiras, coladas, grudadas à nossa linguagem. No dia-a-dia brincamos com elas, a troco de tudo e de nada. Assim o povo dá o troco depois do muito que não lhe foi poupado. Os altos dividendos da crise política para o dicionário. A corrupção enriquece nosso vocabulário…

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Doutor em Educação pela USP e escritor; (www.perisse.com.br)