Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A soberba “global”

Desde o dia em que a torcedora Larissa Riquelme foi flagrada em meio à torcida paraguaia, veículos jornalísticos de todo o país e do mundo passaram a publicar fotos da modelo, além de reportagens exaltando os atributos corporais da moça, em suas páginas esportivas. Até aí, nada além do normal – pelo menos, segundo os padrões de mercado que regem a cobertura jornalística do torneio. A cada jogo, lá estava a torcedora, acompanhando os lances e os gols do Paraguai, em uma das praças de Assunção, enquanto os fotógrafos não perdiam tempo, registrando suas caras e bocas – e um pouco mais do que isso.


Só que a tal Larissa acabou permanecendo mais tempo na mídia em relação a outras torcedoras que apareceram ao longo do torneio. O motivo? Com o Paraguai garantido nas quartas de final, fato que nunca havia ocorrido na história das Copas, a ‘empolgação’ de Larissa resultou em uma promessa um tanto surpreendente: a modelo garantiu que ficaria nua em praça pública, se a equipe subisse mais um degrau na competição, chegando às semifinais, como forma de homenagear o empenho dos jogadores. Ótima oportunidade para os veículos de comunicação coagularem audiência cativa – afinal, nada melhor para o público masculino do que uma tentadora combinação entre mulher e futebol.


Sabendo disso, a Rede Globo resolveu fazer uma reportagem especial sobre o assunto, convocando a todos (os marmanjos) para se unirem em favor da seleção paraguaia na partida contra a ‘fúria’ espanhola, no sábado (3/7), o que se tornou um sucesso, principalmente com a seleção canarinho fora do certame. Mas a matéria gerou bastante desconforto para os vizinhos sul-americanos devido ao teor preconceituoso, baseado em ironias e estereótipos, caracterizando a soberba da emissora diante de outros países (ver aqui).


Depois da repercussão do caso – que gerou até uma nota do jornal paraguaio La Nación repudiando o ocorrido – um dos jornalistas da SporTV pediu desculpas ao vivo, dias depois, pela forma na qual a reportagem era dirigida ao país vizinho, e logo seguida, uma tentativa de retratação foi transmitida pelo canal de TV fechada (ver aqui). Mas a tal matéria, que aparentemente tinha o respeito como tema central, se remetia somente a ótima campanha da equipe paraguaia na Copa do Mundo, o que foi somente um dos diversos pontos menosprezados na primeira reportagem. A nova matéria não retirou a ironia escancarada das ‘paisagens deslumbrantes e a alta gastronomia’, ou do ‘país obscuro do mundo’ – frases citadas na primeira reportagem. Só se falou do futebol, e nada do país, o ponto mais atingido (ver aqui).


A hora da vingança


Outro fato que traduz a soberba da rede Globo foi a cobertura em relação a desclassificação da Argentina, horas antes do mesmo dia. Nos minutos que se seguiram à vitória dos alemães sobre a equipe de Maradona, uma manchete carregada de puro desrespeito no site GloboEsporte.com a imagem de Klose, marcando um dos gols, enquanto o goleiro e outros jogadores observavam o lance, continha um ‘sonoro’ e grotesco título logo abaixo, que dizia ‘Hahahahah’, seguido do placar da partida: 4 a 0. Por ser online, a imagem, acompanhada do título, permaneceu no site por pouco tempo.


Em tempo: boa parte das capas dos jornais do país, e do exterior, se concentrou quase que, exclusivamente, na tristeza de Maradona – devido a impossibilidade do cumprimento da promessa de desfilar nu no Obelisco, após a eliminação precoce – em detrimento da atuação dos jogadores alemães. Mas, no Brasil, a vingança caracterizou os noticiários esportivos televisivos como um espécie de compensação pela derrota brasileira contra a Holanda.


É bem verdade que, no futebol, a rivalidade entre Brasil e Argentina não é repentina, mas de muitos anos. Os pitacos de Maradona sempre alimentaram as discussões esportivas entre os dois países. Também é válido ressaltar que alguns veículos de imprensa argentinos ironizam com freqüência as derrotas brasileiras – mas este tipo de comportamento deveria permanecer entre os torcedores, e não na imprensa. O fato de a mídia refletir aquilo que o leitor pensa, segundo sugerem alguns especialistas, não é desculpa para que a mesma aja emocionalmente. Diversos erros ocorrem no jornalismo esportivo pelo fato de a imprensa se portar como torcedora.


Infelizmente, neste tempo, a responsabilidade de quem consome informação acaba se tornando maior do que a de quem a produz. O leitor, por mais que não tenha tempo hábil nem condições para fazê-lo, é quem mais precisa se preocupar com informação de qualidade – o que deveria ser a premissa básica para a cobertura de qualquer assunto no jornalismo em papel, rádio, TV e internet.


 


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Estudante de Jornalismo do Unasp, Engenheiro Coelho, SP