Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

À sombra do grande líder

Hillary Clinton, com toda a sua biografia – claro que ser mulher do ex-presidente é parte importante dessa história – está enfrentando uma dura batalha: a de se impor como secretária de Estado dos Estados Unidos exclusivamente por seus méritos.

Em recente viagem ao Congo, acabou se irritando com a pergunta de uma universitária que queria saber a opinião do marido dela sobre um tema de finanças internacionais. ‘‘Se você quer a minha opinião, eu dou. Mas não vou servir de porta-voz para meu marido’, respondeu uma irritada Hillary.’ (New York Times, 10/8/2009).

A viagem pela África seria a chance de ‘mostrar como cumpriria sua promessa, feita durante a audiência que a confirmou no cargo, de tornar as questões da mulher uma parte central da política externa dos Estados Unidos’. Mas foi justo nesse momento que Bill Clinton roubou a cena e ganhou manchetes por sua participação na ação humanitária na Coréia do Norte, que resultou na liberação de duas jornalistas presas e condenadas a trabalhos forçados, ‘e fez o mundo fofocar, novamente, a respeito do seu casamento, seu temperamento, e até seu penteado’ (O Estado de S.Paulo, 16/8/2009).

Enquanto luta pelos direitos das mulheres, Hillary vai enfrentar outra batalha, segundo Judit Warner, autora do artigo ‘Hillary Clinton – Cara a cara com o preconceito’, publicado no Estadão:

‘Quando continuar a viajar pelo mundo nos próximos anos, defendendo a luta das mulheres pela autonomia, começando com o próprio direito de ser levada a sério, Hillary terá que enfrentar uma maré de banalidades que varre tudo aquilo que esteja relacionado ao fato dela ser tão poderosa. Uma forma de escárnio banalizador particularmente sexista continua perseguindo nossa Secretária. Há apenas duas semanas, o Washington Post teve de remover do seu site uma paródia em vídeo, feita por dois de seus jornalistas políticos de maior destaque, que associava uma foto de Hillary a uma garrafa de cerveja cujo nome poderia ser considerado ofensivo. Esse tipo de ocorrência é uma péssima indicação da capacidade do país de tratar a secretária – e os temas que ela defende com tamanho ardor – com o devido respeito’.

Idéias próprias

Estas notícias sobre Hillary Clinton deveriam servir de pauta para uma reflexão da nossa imprensa sobre a situação das mulheres no Brasil, especialmente sobre o futuro de Dilma Rousseff, a candidata apadrinhada pelo presidente Lula. Será que os eleitores vão votar cegamente na indicada do presidente? E, principalmente, será que Dilma Rousseff está disposta a entrar na campanha apenas como a indicada de Lula ou vai tentar se impor por seus próprios méritos?

Se mesmo Hillary, depois de uma campanha presidencial memorável – em que o marido estava em segundo plano – continua sendo vista como ‘a mulher de Clinton’, o que esperar do futuro a candidata do presidente Lula?

Se não houver um trabalho sério para mostrar que Dilma não é apenas ‘a fantoche do presidente’, que tem idéias próprias sobre governo e que idéias são estas, nem vale a pena concorrer. Vale lembrar que a ex-candidata Heloisa Helena não tinha padrinhos, não tinha dinheiro e ainda assim conseguiu se impor. Se com a candidatura de Dilma o governo quer sensibilizar as mulheres, está na hora de a imprensa fazer com que ela mostre quem é e a que veio.

******

Jornalista