Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A velhinha que virou notícia

No discurso da vitória, o presidente eleito dos Estados Unidos Barack Obama mencionou Mrs. Cooper, uma eleitora de 106 anos. No dia seguinte, a CNN entrevistou Mrs. Cooper.

A candidata a vice Sarah Palin queixou-se do comportamento da mídia com ela e voltou para o Alasca. A CNN foi atrás e fez uma longa entrevista com a queixosa.

A apresentadora de TV Oprah Winfrey chorou ao assistir ao discurso de Obama. No dia seguinte, estava na CNN falando de suas emoções.

Em resumo: além de todas as notícias oficiais, como acompanhamento da apuração dos votos, de um magic map que explicava como os eleitores votaram e da novidade da repórter transformada em holograma, a CNN fez o que se espera na cobertura de uma eleição. A emissora, que garante ter ‘o melhor grupo de comentaristas políticos da TV’, deu uma aula de jornalismo ao mostrar bastidores e explorar o discurso do novo presidente respondendo às perguntas dos espectadores sobre como, por exemplo, quem era Mrs. Cooper, o fio condutor do discurso da vitória. A emissora preferiu mandar seus repórteres para as ruas – tanto na cobertura do discurso da vitória como nos dias seguintes – a ficar apenas nos comentários dos especialistas.

Luta por direitos iguais

Foi assim que os espectadores ficaram sabendo quem é Mrs. Cooper. Embora centenas de celebridades tenham dado apoio ao candidato Obama, Oprah Winfrey foi a única que mereceu destaque. Mas havia uma boa razão: considerada a personalidade mais importante da mídia (de entretenimento) nos Estados Unidos, ela foi citada – e entrevistada – porque, como disse um dos comentaristas, conseguiu pelo menos 1 milhão de votos para Obama e cogita-se que poderá ganhar um cargo de ‘embaixadora’ no novo governo.

A concorrente Fox News (que, como a CNN, pode ser vista no Brasil nos canais por assinatura) parecia menos à vontade em fazer jornalismo. Declaradamente republicana, a emissora, nos seus noticiários, limitou-se aos comentários sobre a vitória de Obama. Preferiu centrar suas atenções em Sarah Palin e nas supostas injustiças de que teria sido vítima por parte da mídia e da própria equipe de McCain. Segundo a governadora do Alasca, ‘são uns imbecis’. Por ser abertamente partidária, a emissora perdeu a chance de fazer jornalismo.

Para nós, que assistimos de longe ao espetáculo em que se transformou a cobertura das eleições – e a repercussão mundo afora (mundo do qual o Brasil não faz parte, a julgar pela cobertura da TV americana) –, fica pelo menos uma lição: a de que o bom jornalismo vai muito além da notícia oficial. Mostrar o discurso, todo mundo mostrou. Falar da roupa da primeira-dama e suas filhas, todo mundo falou. Mas ir buscar no discurso presidencial uma personagem que viveu a história do país e foi vítima da segregação é o que se pode considerar como jornalismo de fato. A simples presença de Mrs. Cooper na TV, falando da importância de votar e eleger Obama, foi uma belíssima forma de a mídia resumir a luta por direitos iguais dos negros nos Estados Unidos. Isso sem dizer uma palavra sobre o preconceito.

Mais do que cabides

Além de Mrs. Cooper e de Oprah Winfrey, duas outras mulheres mereceram destaque na cobertura das TVs americanas: a governadora do Alasca, que voltou ao governo do estado como forte candidata à presidência em 2012 (segundo as duas emissoras) e, naturalmente, a futura primeira-dama Michelle Obama. A advogada e presidente de empresa que largou tudo para dedicar-se à campanha pelo marido, fazendo comícios com o mesmo à vontade de políticos experientes, declara, vencida a eleição, que vai ser ‘mãe-em-chefe’ nos próximos quatro anos.

E aí, as emissoras de TV e jornais norte-americanos dão outro bom exemplo de jornalismo. Em vez de comentarem ‘as bastas ancas’ de Michele Obama (Veja, edição 2086, de 12/11/2008), discutem que trabalho ela vai fazer na Casa Branca. Garantem que não será o tipo de atuação de Hillary Clinton, que fazia questão de participar do governo do marido. Mas afirmam que, no seu papel de ‘melhor amiga’ do marido, será, sem dúvida, uma boa conselheira, como foi durante a campanha.

Claro que, a partir de agora, as revistas de celebridades vão estar de olho nas roupas, maquilagem e todas as outras futilidades ‘femininas’ sobre a futura primeira-dama americana. Mas a grande imprensa mostrou que vê, nas mulheres, muito mais do que cabides de roupa.

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Jornalista