Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A vida na redação de jornal

O jornal A Voz da Cidade completa em agosto de 2010 uma existência de 50 anos. Circula em Paraguaçu, MG, minha cidade natal. Enquanto ele fez a sua história, fiz a minha no jornalismo. E foi lá que comecei.

A Voz da Cidade foi fundado em 1960. Ano seguinte, lá começou a trabalhar o meu pai, Donato Leite de Andrade. Em 1958, papai colocou em circulação em nossa cidade, o jornal Sputnik. Era de humor. Papai sabia fazer graça. Transformava acontecimentos de Paraguaçu em autênticas piadas. Brincava com tudo. No primeiro número, garantiu: ‘O momento atual é de grandes afirmações: pão-pão, queijo-queijo.’ E mais, para a pequena população leitora da cidade, afirmou: ‘Mentiragem da edição: 3.002 exemplares, inclusive as 2 de provas, pelos quais nos irresponsabilizamos integralmente.’

E por aí foi de 8/6/1958 a 15/12/1959. Mudou-se para Lambari, também no sul de Minas e continuou com o jornal, de 7/8/1960 a 26/3/1961. Parou porque uma autoridade local se julgou ofendida por uma brincadeira e o ameaçou de morte. Daí que seus amigos de Paraguaçu, tomando conhecimento dos fatos, pediram que retornasse à cidade e dirigisse A Voz da Cidade. Ele não assumiu cargo no jornal e ficou como gerente da gráfica que o imprimia, escrevendo matérias para o jornal. Mas em outubro de 1961 veio a falecer, vítima de um choque pós-operatório, com apenas 46 anos de vida.

Histórias que não têm ponto final

Devido às dificuldades financeiras da minha família na ocasião, comecei a trabalhar na gráfica que imprimia A Voz da Cidade. Estava na casa dos 14 anos. Hoje, conto que comecei em jornal fazendo chapas de textos para impressão. As letras, de chumbo, ficavam em caixas nas suas respectivas repartições. Formava cada palavra, letra a letra, num aparelho que se chamava ‘compunidor’. Segurava-o com a mão esquerda e catava as letras das palavras com a direita. O texto ficava dependurado na parede à altura dos olhos. Era quase um mês para fazer o jornal mensal. Hoje, mundo do computador, tudo é instantâneo. Mas a vida não tinha mesmo tanta pressa e urgência.

Só que agora o jornal A Voz da Cidade completa 50 anos e lá fui junto com a sua história.

Aos 15 anos, além de gráfico, passei a colaborador do jornal. Fiz um curso de Jornalismo por correspondência e aprendi técnicas americanas de redação. A notícia tinha de ter ‘cabeça’, baseada na regra do quem?, quando?, como?, onde?, o quê? e por quê?. Assim, fiz a primeira modernização de textos noticiosos no jornal A Voz da Cidade. Em 1963, já com 16 anos, meu nome foi para o cabeçalho do jornal e me tornei redator d´A Voz. Fiquei até final de 1965, pois no começo de 1966 mudei-me para Belo Horizonte. Cheguei a ser repórter do extinto Última Hora, mas isso são outras histórias.

Se lá no jornal de Paraguaçu fui o mais novo a ocupar o cargo de redator em sua história, hoje, vivo, sou o mais velho. A Voz da Cidade faz solenidade dia 14 de agosto para comemorar seu cinquentenário e estarei presente. O evento transcorrerá no local que leva o nome de meu pai: Teatro Donato Leite de Andrade. Além de jornalista, ele foi excelente ator teatral, com fama que extrapolou até o estado de Minas Gerais. Fez As Mãos de Eurídice, com elogios do próprio autor da peça, Pedro Bloch. Papai teve vida curta, mas o suficiente para fazer história em Paraguaçu na área cultural.

É assim mesmo: gira o mundo e lá vamos nós escrevendo nossas histórias que, às vezes, não têm ponto final, pois o que fazemos, fica.

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Escritor e jornalista, tem treze livros publicados, inclusive Um jornal assassinado, a última batalha do Correio da Manhã, com a colaboração de Joel Silveira. Edita atualmente o seu jornal de bairro, Folha do Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, MG