Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Acabou o ‘sempre mais!’

Encerrava invariavelmente os programas de música clássica com a saudação ‘sempre mais!’ Nunca lhe perguntaram e nunca explicou a origem do seu motto. Desnecessário: só Paulo Alberto Monteiro de Barros e seu heterônimo Artur da Távola poderiam utilizar uma divisa tão delicada e ao mesmo tempo tão misteriosa junto ao nome em um programa de rádio.

A frase tinha algo de oriental, fruto talvez da sua longa convivência com Carl Jung, o psicanalista suíço que buscou no budismo as chaves para os mistérios do inconsciente. E também algo de escoteiro: Paulo Alberto nunca deixou de ser o adolescente sonhador, idealista incurável, humanista impenitente.

Nos áureos tempos da Rádio MEC (início dos anos cinqüenta), vinha aos estúdios da Praça da República com o uniforme do Colégio Pedro II, onde estudava (não era longe). Convivendo com aquele primoroso time de herdeiros do patriarca da nossa radiofonia, Roquete Pinto, adorava repetir o velho slogan da emissora: ‘Pela cultura dos que vivem em nossa terra, pelo progresso do Brasil’.

Conhecia rádio como poucos, a voz era modulada, escrevia divinamente bem e antes que Marshall McLuhan se tornasse o guru da comunicação já era um estudioso da comunicação de massas e um notável comunicador.

Consumido pela duplicidade

Sem o seu zelo, habilidade e sem a confiança que despertava nos seus pares, o Conselho de Comunicação Social jamais conseguiria tornar-se realidade. Quando o órgão encerrou o seu primeiro mandato, Paulo Alberto já não era senador – isso talvez explique o misterioso desaparecimento do CCS.

Participou do programa inaugural do Observatório da Imprensa na TV (5/5/98), tornou-se ‘freguês’ assíduo e, na última vez (em 25/03/08), teve forças apenas para um depoimento gravado. Doçura pessoal mantida, apesar da visível fadiga.

Um senador melômano é combinação rara em qualquer parte do mundo. Mas este senador melômano era um ativista nato. De dia estava no plenário, colocando sua alma e sua cultura a serviço da República, e, à noite, o telespectador o encontrava na programação da TV Senado, apresentando regularmente seus inesquecíveis programas sobre música erudita.

Cabeça política privilegiada e uma ilimitada capacidade de entregar-se às missões assentavam-se no vasto saber que aflorava com naturalidade através daquela eloqüência cativante.

A intensa duplicidade consumiu-o. A derrota para Marcello Crivella na disputa por uma cadeira do Senado feriu-o profundamente. Pertencia a uma estirpe de cariocas que ainda acreditava na recuperação da antiga Cidade Maravilhosa. Não foi uma derrota pessoal, foi a certeza de que o seu Rio se extinguia.

Seu nome de guerra e pseudônimo literário tem a ver com os valentes e os galantes Cavaleiros da Távola Redonda reunidos pelo Rei Artur (século 12) numa mesa sem cabeceira onde todos eram iguais.

Este que agora se foi era ímpar – ‘sempre mais!’

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Jornalista