Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ação anticorrupção dá dor de cabeça a anunciantes

As alegações de corrupção generalizada no órgão máximo do futebol internacional, que tem sua sede na Suíça, e a prisão de sete de seus dirigentes, na manhã de ontem em Zurique, mostram o longo alcance do Departamento de Justiça dos Estados Unidos quando o sistema financeiro americano é envolvido.

O escritório do Distrito Leste de Nova York da Procuradoria­Geral dos Estados Unidos, que indiciou nove autoridades da Fifa, entre executivos atuais e ex­dirigentes, e cinco outros ontem, informou que o fluxo de fundos ilícitos através de instituições financeiras sediadas em Nova York dá ao distrito autoridade para conduzir o caso.

Promotores dos EUA alegaram que autoridades da Fifa embolsaram mais de US$ 150 milhões em propinas como parte de um complexo esquema que funcionava mais como uma organização criminosa. O esquema envolveu malas repletas de dinheiro e alegações de compras de votos antes da escolha da África do Sul como sede da Copa do Mundo de 2010 e das eleições presidenciais da Fifa de 2011.

Na acusação formal de 161 páginas, a procuradora­geral dos EUA, Loretta Lynch, qualificou o esquema como “generalizado, sistêmico e profundamente enraizado” numa organização que gerou receitas de quase US$ 10 bilhões entre 2007 e 2014, a maior parte proveniente da venda de direitos de transmissão de TV e contratos de marketing para as Copas do Mundo de 2010 e 2014.

O suposto esquema se prolongou por mais de 20 anos e envolveu uma rede de empresas de marketing e intermediários que usaram a crescente popularidade do futebol para enriquecer a si mesmos, disseram os promotores. A investigação vai continuar e pode levar a acusações criminais contra outros atuais e ex-dirigentes da Fifa. A acusação afirma que os atuais e ex­dirigentes da Fifa e os demais conspiradores “recorreram pesadamente” ao sistema financeiro americano durante a década de 90 e cada vez mais nas décadas seguintes.

A Fifa transferiu “bilhões de dólares” de suas contas em uma “grande instituição financeira suíça” para contas de beneficiários nos EUA e em todo o mundo através de uma conta correspondente na filial americana de um banco suíço, alegam os promotores. Parte dos supostos subornos foi enviada para contas correspondentes dos bancos J.P. Morgan Chase & Co. e Citibank em Nova York, segundo a acusação. O processo também detalha reuniões em Miami e no bairro do Queens, em Nova York,   quando os acusados supostamente discutiam os pagamentos de subornos.

“Se você pisar no nosso território com seu esquema corrupto, seja através de reuniões ou da utilização de nosso sistema financeiro de classe mundial, você será considerado responsável”, disse James Comey, diretor da polícia federal dos EUA, o FBI, durante uma coletiva de imprensa ontem em Nova York.

Além fronteiras

Durante anos, a Fifa conduziu suas próprias investigações internas sobre irregularidades, admitindo casos de corrupção várias vezes, inclusive um esquema de subornos liderado pelo brasileiro João Havelange, ex­presidente da federação. Mas as investigações americanas reveladas ontem marcam a primeira vez em que dirigentes estão sendo acusados pelo sistema judicial de um país.

Os investigadores da Receita Federal dos EUA (IRS) e do FBI atingiram um ponto decisivo ao reunir provas de evasão fiscal contra o americano Charles Blazer, ex­presidente da Concacaf, a entidade responsável pelo futebol na América do Norte e Caribe, e usar essas provas para tornar Blazer um colaborador nas investigações, em 2011, dizem as autoridades. Em documentos divulgados ontem, Blazer se declarou culpado de evasão fiscal entre 2005 e 2010 e por não informar sobre contas bancárias no exterior, entre outras acusações.

O maior escândalo de corrupção da história do esporte moderno é uma grande dor de cabeça para executivos de marketing que gastaram centenas de milhões de dólares para associar suas marcas à Fifa, incluindo as de várias grandes multinacionais dos setores de materiais esportivos, alimentos e serviços financeiros.

A IEG, uma firma de pesquisa de Chicago que pertence à gigante da publicidade WPP, estima que seis “parceiros” de marketing da Fifa gastaram quase US$ 190 milhões com direitos de patrocínio no ano passado. Essas empresas incluem a Adidas, Coca­Cola, a companhia aérea Emirates, Hyundai­Kia Motors, Sony Corp. e Visa. Um segundo grupo de patrocinadores específicos da Copa do Mundo de 2014 gastou US$ 171 milhões no evento.

As empresas manifestaram preocupação com as acusações ontem [quarta, 27/5] mas até agora nenhuma anunciou o cancelamento dos seus contratos de patrocínio. O McDonald’s Corp. afirmou, num comunicado, que “leva assuntos ligados à corrupção a sério e que as acusações “são extremamente preocupantes”. A Nike parece ser a principal empresa envolvida no caso. Entre os detalhes das acusações do Departamento de Justiça, há alegações de suborno envolvendo esforços de “uma empresa multinacional de artigos esportivos sediada nos Estados Unidos” de vencer o contrato para ser fornecedora oficial dos artigos esportivos usados pela seleção brasileira de futebol. A Nike não comentou especificamente sobre as questões citadas na acusação, mas afirmou que está preocupada com as alegações e cooperando com a investigação.

Apenas 30 anos atrás, organizações internacionais como a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional eram em grande parte organismos esportivos responsáveis apenas por organizar competições que geravam pouco dinheiro. Desde então, elas se transformaram em empresas multinacionais que geram bilhões de dólares por ano em receita por meio da venda de direitos de mídia e propriedade intelectual. Entre 2011e 2014, a Fifa divulgou US$ 5,7 bilhões em receitas, sendo que 70% se originaram da venda de direitos de marketing e transmissão de TV da Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

As acusações divulgadas ontem mostram que as autoridades dos EUA frequentemente vão além de suas fronteiras para fazer indiciamentos e podem prender pessoas com a ajuda de polícias locais. Ontem [quarta, 27/5], a polícia suíça agiu a pedido das autoridades americanas, mas o país também anunciou sua própria investigação criminal sobre a escolha da Rússia e do Catar como futuras sedes da Copa do Mundo. Os EUA buscam a extradição dos dirigentes da Fifa presos ontem.

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Devlin Barrett, Matthew Futterman, Aruna Viswanatha e Christopher M. Matthews, do Wall Street Journal