Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Afrodite, acredite no Photoshop

A grande imprensa ainda não discutiu o caso Juliana Paes, atriz cujas fotos retocadas foram publicadas pela Playboy, e as não-retocadas, divulgadas na internet. O tititi a respeito rola no cafezinho das redações da web. O tema se insere num ponto qualquer do universo, entre o mundo real das redações e o das agências de publicidade: o que é impresso nas revistas, no mundo real das pessoas, e o que elas vêem na internet.

Um colega que adorou as fotos da Juliana Paes sem os retoques do Photoshop, que ele viu na internet, se surpreendeu ao saber que a nova apresentadora do Fantástico é uma criação da galera da computação gráfica da Globo.

Estamos num novo tempo em que as mídias e as realidades, com aspas ou não, perpassam nossos sentidos e a maneira com que interagimos com isso tudo. Resta saber, então, o que estamos observando e analisando, pois quanticamente falando só o fato de estarmos observando já estaria interferindo na realidade, mas qual realidade?

Uma pessoa real foi fotografada num mundo real, mas suas fotos foram retocadas pelo Photoshop, e surgiu então uma pessoa não real, de pele aveludada, sem estrias e celulites, que teve sua imagem publicada numa revista real, ao mesmo tempo em que um engraçadinho da agência de publicidade colocou na internet, de propósito ou não, as fotos sem retoque que capturaram uma realidade então mostrada pelo mundo virtual. Ufa!

Isso é um tema desafiador.

Contraponto ao equilíbrio

Não importa se as fotos de Juliana Paes foram tratadas pelo Photoshop. A galera masculina gostou também do original mostrado pela Internet, enquanto as mulheres vibraram com as celulites e as manchas na pele fotografadas no corpo da modelo. Já no mundo Fantástico da tevê os criadores cibernéticos da apresentadora Eva colocaram algumas ditas imperfeições para aproximá-la do real.

E aonde nos levará essa procura pelo ideal da imagem construída entre o mundo real e o virtual? Existiria esse ideal, ou seriam vários ideais, dos deuses e deusas do novo Olimpo, metamorfoseados em algum ponto entre estes dois universos e difundidos por todas as mídias onde realimentam no mercado de consumo nossos desejos, fascínios e tesões?

A construção deste ideal tem suas origens na mitologia grega, onde deusas e deuses seduziam e eram seduzidos a todo o momento em situações que se assemelham ao nosso dia-a-dia folhetinesco. Para distrair a mulher Hera, enquanto dava suas escapadas extraconjugais, Zeus contratou a ninfa e tagarela Eco, que tentou seduzir Narciso, mas acabou enfeitiçada pela esposa traída, passando apenas a repetir eternamente o que os outros diziam.

Outros imbróglios rolaram no horário nobre grego, como o amor de Eros por Psique, a filha mais jovem e bela de um rei que causava inveja a Afrodite, outra bela deusa que alimentava os sonhos extraconjugais dos homens e era retratada quase sempre como uma mulher fatal, dando o contraponto necessário ao equilíbrio do casamento.

Construa sua Afrodite

Na Idade Média as mulheres fatais eram as perigosas náiades ou ninfas das águas, que fascinavam os cavaleiros errantes e os desgraçavam até a morte. Neste processo o homem construiu sempre para si o papel de vítima, transferindo toda a culpa de suas traições às mulheres fatais, que aparecem ao longo de toda a civilização ocidental; e há quem as veja até nas histórias de Walt Disney.

Tudo está se ajustando, e até as agências de publicidade descobrem que pintinhas, manchinhas e, por que não, algumas pequenas celulites são imperfeições atraentes nas atuais deusas que continuam alimentando nossos fetiches e gerando lucros. Bendita hora então em que a apresentadora Angélica soube tirar proveito de sua bela pinta na coxa.

A procura da perfeição da imagem sempre alimentou nossos sonhos. Antes da fotografia os retoques eram dados na tela pelo pintor ou por seus ajudantes, que escondiam as imperfeições dos retratados, geralmente personagens bem-sucedidos da nobreza ou da burguesia ascendente. Com o advento da fotografia, o barato era retocar a cliente no negativo, utilizando o nanquim. Os fotógrafos mais criativos pintavam seus negativos, dando um realce colorido às fotos. Algumas vezes as fotos eram ampliadas e pintadas com aquarela.

Agora, Zeus será você, que em breve poderá construir sua amante Afrodite ou seu Apolo saradão, e colocá-los em sua agenda do Yahoo para que eles lembrem daquela sua reunião de trabalho ou da ida ao dentista.

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Jornalista, Rio de Janeiro (www.widebiz.com.br/gente/pires)