Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Agência Carta Maior


GOVERNO LULA
Nelson Breve


Sabotagem, 21/02/06


‘Assessores do ministro Palocci estão chamando jornalistas influentes aos
gabinetes da Fazenda para torpedear o Fundeb. Enfraquecidos no governo, os
tecnocratas não tiveram força para barrar a proposta na Câmara. Agora, apunhalam
o presidente Lula pelas costas em conversas de alcova.


A tecnocracia herdada do governo tucano vem sabotando sistematicamente o
projeto nacional de desenvolvimento escolhido pelo povo brasileiro nas eleições
de 2002. Isso não é novidade. Com seus dogmas divinos e a cantilena persuasiva
do reverendo Antonio Palocci, catequizaram o presidente Lula, que passou a temer
o mercado mais do que teme a Deus.


O que existe de novo – ou de podre – no reino do Ministério da Fazenda é uma
conspiração para desmoralizar o governo, tirando do presidente Lula o crédito
histórico de ter desencadeado uma revolução no ensino básico nacional,
devolvendo aos professores que educam as crianças brasileiras a dignidade
perdida ao longo de décadas de descaso com o alicerce fundamental de um país: a
Educação de seu povo.


Assessores do ministro Palocci estão chamando jornalistas influentes aos
gabinetes do Ministério da Fazenda para torpedear a Proposta de Emenda
Constitucional que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb. Enfraquecidos no
governo, os tecnocratas não tiveram força para barrar o texto aprovado este mês
pela Câmara dos Deputados. Agora, apunhalam o presidente Lula pelas costas em
conversas de alcova. Querem jogar a opinião publicada contra a emenda
constitucional para impedir que seja ratificada pelo Senado.


Para aterrorizar os pítons e as pitonisas do mercado, os sabotadores do
governo Lula acusam os deputados de terem retirado da proposta original as
amarras que eles tinham colocado para impedir que o gasto público aumentasse de
forma desgovernada. Criticam ainda a criação de um piso nacional para os
salários dos professores, assegurado na Constituição, o que iria contra a
flexibilização da legislação trabalhista tão almejada pelos Chicago Boys.


Os assessores de Palocci confirmam agora o que o ex-ministro da Educação
Tarso Genro já desconfiava: apesar do discurso sobre a importância de dar
prioridade à educação para aumentar a qualificação da nossa força de trabalho, a
turma da tesoura não queria o Fundeb. O projeto que eles aprovaram só liberava
mais recursos para a Educação se o governo federal cortasse gastos equivalentes
na execução das outras políticas sociais. Do jeito que ficou, os recursos estão
assegurados em qualquer hipótese, e o governante de plantão poderá decidir onde
cortar, no custeio da máquina administrativa, nos programas sociais
discricionários, nos investimentos ou no serviço da dívida pública.


Além disso, a proposta chancelada pela turma dos juros altos jogava para uma
lei ordinária a fixação dos valores a serem repassados pelo governo federal, nos
primeiro três anos, para completar os recursos dos estados e municípios. Na
prática, significaria adiar por três anos o início do reforço orçamentário.


Mas a carapuça definitiva dos sabotadores do governo é a restrição ao piso
salarial dos professores, consignado na proposta de emenda à Constituição. Qual
o problema de uma nação que prioriza a educação de suas crianças dizer na sua
Lei Maior que o salário mínimo pago a um professor ou professora em qualquer
lugar do país será definido em uma lei discutida e aprovada pelo Congresso
Nacional? O piso será tanto maior quanto mais os congressistas valorizarem os
professores.


A pergunta que os tecnocratas não conseguem responder é: como garantir o
padrão de qualidade do ensino determinado pela Constituição pagando salários
miseráveis aos professores do ensino básico? Claro, essa parte não é com eles.
Eles só cuidam da saúde financeira do Tesouro Nacional.


É justo que a equipe de Palocci tenha preocupações com as conseqüências de
uma emenda constitucional em debate no Congresso. O que é inconcebível é a forma
traiçoeira com que promovem o debate. Por que não vieram a público, em
entrevistas coletivas discordar do texto, quando ainda estava em discussão? Por
que preferem a escuridão, a covardia das conversas reservadas, e com a condição
de não serem identificados em artigos e reportagens de jornais?


O curioso é que essa conspiração contra o Fundeb surge junto com a plantação
de que o ministro Palocci, forte como nunca, estaria assumindo a coordenação
política do governo. A tática dos assessores dele indica justamente o contrário.
Enfraquecido pelo conjunto de denúncias que o envolvem em casos de corrupção,
Palocci não consegue barrar mais nada no Congresso. Esse pode ser o diferencial
do governo neste ano eleitoral.


*Nelson Breve é repórter especial da Sucursal de Brasília.


Nelson Breve foi repórter das rádios Eldorado e CBN, da Agência Estado e do
Jornal do Brasil, e assessor de imprensa da Confederação Nacional da Indústria e
do ex-deputado José Dirceu. Retorna à Carta Maior para atuar como repórter
especial na Sucursal de Brasília.’




U2 NO BRASIL
Marco Aurélio Weissheimer


A farsa do niilismo vulgar, 21/02/06


‘Para editor da Folha de São Paulo, Bono Vox é um chato e equivocado que
acredita em duendes progressistas e que algo de novo pode brotar no Terceiro
Mundo. É uma posição que mistura arrogância e ignorância, glorificando o umbigo
como instância máxima da vida.


‘Bono faz parte daqueles formadores de opinião do Primeiro Mundo Maravilha
que acreditam em duendes progressistas do Terceiro Mundo. Estão sempre achando
que vai brotar algo novo por aqui. (…) Um dos traços característicos dessa
moçada é a correção política, aquela compulsão de chamar negros de
‘afrodescendentes’, falar em ‘opção sexual’, viver em permanente estado de
solidariedade às minorias étnicas, colocar a culpa do terrorismo islâmico no
Ocidente e recomendar filmes feitos nos cafundós do mundo sobre situações
arcaicas e ‘humanas’. As declarações são de Marcos Augusto Gonçalves, editor da
Ilustrada, da Folha de São Paulo. Poucas vezes, manifestou-se com tanta clareza
o niilismo vulgar que vem crescendo entre os chamados ‘formadores de opinião’. O
niilismo fica por conta de uma posição que mistura arrogância e ignorância e
destila desprezo e cinismo em relação às possibilidades do Brasil e de seu povo.
De um modo mais amplo, expressa um profundo desprezo pela política e a
glorificação do umbigo como instância máxima da vida.


A vulgaridade fica por conta da artificialidade que alimenta essa visão. Na
primeira metade do século XX, a Europa foi devastada por duas guerras mundiais,
que causaram grande sofrimento e dor a milhões de pessoas. A palavra barbárie
adquiriu contornos mais nítidos. As gerações que viveram no pós-guerra
carregavam muita dor na alma. Diferentes formas de niilismo floresceram na
literatura, na filosofia, no teatro e na política. Mas era um niilismo
justificado. Tinha, pelo menos, duas guerras mundiais e milhões de mortes nas
costas. E o que alimenta posições como a citada acima, que criticam os que
‘estão sempre achando que vai brotar algo novo por aqui’? Não é a crise do
mensalão, como alguém poderia pensar. A visão expressa por Marcos Augusto
Gonçalves é mais antiga e vem ganhando crescente espaço na mídia. Contra o
‘politicamente correto’, a frase ‘politicamente incorreta’, a tentativa de uma
‘boutade’ espirituosa, o cinismo de rodapé.


Mas não se trata apenas de atacar o politicamente correto. A crítica à
‘chatice’ de Bono Vox tem outros alvos. O líder do U2 é também um equivocado,
diz o autor: ‘mal desembarcou no Brasil e já saiu correndo para emprestar seu
prestígio a Lula. Nenhum questionamento, tudo beleza: a corrupção do PT e o
faz-de-conta do presidente devem ser uma invenção da direita que não compra
discos do U2’. O adorador de ‘duendes progressistas’, além de chato e
equivocado, é um completo imbecil, portanto. Assim como o são, para o autor, as
cerca de 140 mil pessoas que lotaram o Morumbi em duas noites. O que está
subentendido no artigo é que Bono deveria ter lido a Folha de São Paulo, ao
desembarcar no Brasil. Aí seria alertado para o perigo dos ‘duendes
progressistas’, para o delírio daqueles que acham que ‘vai brotar algo novo por
aqui’ e, é claro, para a corrupção do PT. Do PT, sim, pois, como se sabe, PSDB,
PFL, PMDB e outras siglas menos cotadas estão livres deste vírus.


A descrença em relação à possibilidade de ‘brotar algo novo por aqui’ guarda
curiosa relação com recentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, para quem a recuperação de Lula nas pesquisas deve-se à grande massa de
desinformados que habita a Pindorama. São pessoas ‘legais’, assim como Bono, mas
profundamente equivocadas. Além de acreditar em duendes, insistem em acreditar
na possibilidade do novo, por mais que as decepções se acumulem neste sentido.
Vale a pena lembrar que, quando FHC assumiu a presidência da República pela
primeira vez, foi decretada a morte da ‘era Vargas’ e o ingresso definitivo do
Brasil na globalização modernizadora. Como não há a menor possibilidade de
invenção do novo, restaria a nós, filhotes de duendes, aderir à nova onda global
e ouvir os conselhos de ‘velhos amigos’ como Henry Kissinger e George W. Bush
que não cansam de nos advertir para os perigos do ‘bom-mocismo’ e da
‘chatice’.


Outro antídoto contra a chatice – atenção, Bono Vox – poderia ser uma
conversa com a gente boa da Opus Dei, que vêm orientando espiritualmente o
governador da ‘locomotiva do Brasil’. Assim, o músico não teria saído correndo
para ‘emprestar seu prestígio a Lula’. E, de quebra, poderia ter recebido de
presente um chicotinho para se penitenciar de seus pecados ‘terceiro-mundistas’.
Poderia ter conversado também com o prefeito da capital da locomotiva para
divulgar em seus shows algumas idéias revolucionárias como rampas antimendigos e
publicidade em uniformes escolares. Bono poderia, então, parar com essas
bobagens de ‘chamar negros de afrodescendentes, falar em opção sexual, viver em
permanente estado de solidariedade às minorias étnicas, colocar a culpa do
terrorismo islâmico no Ocidente e recomendar filmes feitos nos cafundós do mundo
sobre situações arcaicas e humanas’.


Minorias étnicas, afrodescendentes, opção sexual, situações arcaicas e
humanas…quanta chatice, quantos equívocos, que expressões desagradáveis. O
artigo de Marcos Augusto Gonçalves lembra uma charge de Carneiro Vilela,
publicada em 1872, na revista ‘América Ilustrada’. É uma visão humorística da
passagem dos ‘tigres’ pela ruas de Recife. Tigres eram as barricas e tonéis de
madeira que acumulavam matérias fecais no interior das casas e prédios. Quando
repletos esses depósitos eram carregados pelos escravos que jogavam o conteúdo
fora, nas praias, mangues, rios ou quintais. Com o tempo, os negros que
carregavam as barricas também passaram a ser chamados de tigres. Pois bem a
charge mostra alguns negros carregando as ditas barricas e alguns ‘homens de
bem’, com lenços tapando a boca e o nariz. O texto, traduzido para o português
corrente, é auto-explicativo: ‘É triste! É ridículo o que se vê. Há ruas pelas
quais não se pode passar ao meio dia sem que se fique bêbado pelo sutil aroma
que exala dos tigres, que nas barbas e ventas dos cidadãos, passeiam sem medo e
sem vergonha. Ah, polícia! Ah fiscais! Ah municipalidade!’. Sorte dos tigres que
Serra não dirigia a municipalidade de Recife à época.


O cinismo dos ‘cidadãos esclarecidos’ de Recife, em 1872, é primo-irmão do
niilismo vulgar do editor da Folha de São Paulo. Ambos não se cansam de
denunciar essas pessoas desagradáveis, politicamente corretas, que empestam o ar
com sua compulsão em defender ‘frascos e comprimidos’ (mais uma gracinha de
Gonçalves, citando Rita Lee). Não é preciso entrar no mérito da qualidade das
músicas do U2 ou da militância de Bono Vox em defesa da paz e da tolerância (ai,
que chatice!). O autor do texto em questão, na verdade, não está exatamente
preocupado com isso. O que o incomoda, fundamentalmente, é a própria idéia de
militância, de compromisso com os oprimidos, com a política, entendida como a
via para produzir algo de novo. Para ele, nada de bom pode surgir dessa terra,
habitada por tigres equivocados, chatos e desinformados. A única coisa que essa
gente tem a fazer é carregar as barricas de excrementos produzidos pelos
cidadãos de bem, sofisticados e informados. De preferência, sem exalar odores e
emitir sons nas ruas que possam perturbar a ordem pública. Que gente chata,
essa!!! Como nos livraremos dessa raça???


* Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio
eletrônico: marco@cartamaior.com.br)’




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