Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Agência precisa resgatar sua origem

Criada para ser um ente público com capacidade de mediar as relações – muitas vezes conflitantes – na área de comunicação, a Agencia Nacional de Telecomunicações (Anatel) é considerada uma conquista importante no que concerne à regulação do setor no país. Ao comemorar seus 10 anos, porém, a agência precisa retomar essa origem, recuperar sua história e modificar o próprio futuro.

Para analisar a atuação da Anatel em seus 10 anos de existência, é preciso voltar no tempo. Segundo Juliano Carvalho, vice-presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, nos últimos 40, 50 anos, as políticas de comunicação no Brasil foram marcadas por um conjunto de acertos políticos que envolveram, em boa medida, uma certa relação de ‘promiscuidade’ entre Congresso Nacional, governo e o setor empresarial. O surgimento da Anatel – sob o decreto n 2.338, prevista Lei Geral das Telecomunicações nº 9472 – como o primeiro órgão regulador, viria, em tese, para criar um ambiente de arbitragem, de fiscalização ‘um pouco mais isento, um ente público para fazer o que o Estado não conseguiu’, explica Carvalho.

O coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), jornalista Celso Schröder, lembra que a agência reguladora é um princípio embutido na privatização dos serviços públicos no Brasil e do desmantelamento do Ministério das Comunicações (Minicom). ‘Isso deu a ela características nem tão públicas’, analisa. ‘A Anatel precisa, agora, resgatar aquilo que é da sua natureza, que é ser uma agência reguladora’, afirma.

A Anatel é uma boa idéia que nasceu com dois problemas, segundo Carvalho. Do ponto de vista político, por causa das privatizações, foi criada sem transparência, sem o debate necessário com a sociedade. Do ponto de vista do marco regulatório, do ambiente jurídico, o órgão regulador nasce, em algumas medidas, ‘esquizofrênico’ e é assim até hoje. ‘A LGT criou um órgão regulador que trata das comunicações, de TV por assinatura, mas deixou de fora a TV e o rádio. Isto é, criou uma instituição que regula e fiscaliza algumas coisas na área, e outras não’, avalia.

Mesmo com as lacunas, tanto Schröder quanto Carvalho salientam a importância da Anatel. ‘Apesar da fragilidade, devido à concentração por parte do Minicom sobre as políticas públicas de comunicação, a Anatel significa uma conquista por ter um regramento um pouco mais amplo, mais independente’, avalia Carvalho. ‘Quiçá pudéssemos comemorar daqui a 10 anos um órgão regulador para toda área da comunicação e não só das telecomunicações. Aí sim, sairíamos dessa esquizofrenia em que nos encontramos’, pondera.

Preposições e dissonâncias

Na cerimônia comemorativa pela passagem dos 10 anos da Anatel, no dia 5 de novembro, o presidente da entidade, Ronaldo Mota Sardenberg, deixou claro que a reestruturação é o mote para a agência no momento. Entre os seus próximos desafios, apontou, estão as intersecções entre os avanços tecnológicos e as diretrizes regulatórias, para que as novas tecnologias alcancem, no menor tempo possível, um número cada vez maior de pessoas. ‘A reorganização é relevante para a agência, que tenderá a desburocratizar a tramitação dos processos, ganhar agilidade e dinamismo no atendimento às demandas da sociedade’, afirmou o presidente (leia matéria da Anatel).

Sardenberg aproveitou a ocasião para defender a neutralidade tecnológica por parte da Anatel. Em outras palavras, defendeu que o uso das novas tecnologias não sejam regulamentadas pela Agência, mas sim pelos próprios consumidores, a partir de uma interação maior com as empresas prestadoras de serviços, de acordo com matéria publicada no site Convergência Digital, do último dia 6. Dessa forma, os usuários seriam responsáveis pela escolha da tecnologia mais adequada para os seus interesses e negócios. À agencia, ficaria o papel de fazer com que as prestadoras de serviços cumpram o determinado com o consumidor e as metas estabelecidas pelo governo para o setor de telecomunicações.

Somadas às declarações de Sardenberg, e adiantando-se ao debate necessário sobre o mercado que se impõe com a convergência tecnológica, a Anatel abriu um pouco antes, no dia 31 de outubro, duas consultas públicas sobre a possibilidade de ‘dar uma nova destinação ao espectro de UH, viabilizando a nova TV pública brasileira (TV Brasil, recentemente criada). As propostas também permitem o ingresso das empresas de Telecom no mercado de televisão, por meio de distribuição de conteúdo.

As consultas públicas números 833 e 835 estão disponíveis para comentários e contribuições do público em geral, e tratam, respectivamente, de uma ‘Proposta de Regulamento sobre Canalização e Condições de Uso de Radiofreqüências para os Serviços Auxiliar de Radiodifusão e Correlatos – SARC, Especial de Repetição de Televisão – RpTV e Especial de Circuito Fechado de Televisão com Utilização de Radioenlace – CFTV’; e da ‘Alteração do Regulamento Técnico para Prestação do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens e de Retransmissão de Televisão’.

O espectro que a Anatel quer destinar à TV Brasil e às empresas de telecomunicações, é ocupado atualmente por estações repetidoras de TV abertas. Ao todo, serão possíveis 10 novos canais de TV. A consulta pública estará aberta a contribuições até o dia 14 de novembro, sendo que o acompanhamento estará disponível no site da Anatel, até às 24h do dia 19 de novembro.

Para Celso Schröder, as declarações de Sardenberg ilustram a visão patrimonalista que tem marcado a comunicação no Brasil ao longo desses anos. ‘Infelizmente é essa idéia: de que o melhor regulador é o botão do televisor ou do controle remoto, uma simplificação do problema, que não tem o menor sentido do ponto de vista real da política’, argumenta. Acrescenta ainda que esse ‘viés liberal’ que permeia toda a política de comunicação, é, na verdade, uma ausência política, no sentido de permitir, simplesmente, que o mercado atue.

Regulação de tecnologia não é competência do indivíduo e sim do Estado, comenta Carvalho. ‘O que nós queremos para o âmbito da sociedade, é que se tenha controle social. E controle social é um conjunto de regras e procedimentos, de instâncias em que o interesse público possa se sobrepor ao interesse individual’, defende. Carvalho frisa que a opção pelo negócio não exclui o papel do Estado. ‘Nós queremos um serviço básico para a população, para que se possa universalizar o serviço com as tecnologias existentes e as que serão convergentes no futuro. Eu acho que isso é um bom caminho’, conclui.

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Da Redação FNDC