Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Alerta contra a banalização da violência

** Aids aumenta entre as mulheres (Estado de S. Paulo, 24/11/04)

** Agressão é o pior problema da mulher (Estado de S. Paulo, 25/11/04)

Não fosse o tema dessas reportagens, seria hora de festejar o fato de um grande jornal dar, dois dias seguidos, manchetes que têm mulher como tema. Em matérias assinadas por mulheres jornalistas.

A primeira matéria traz uma pesquisa da ONU: ‘Não há como falar do controle da epidemia entre o grupo feminino sem falar em melhoria das condições socioeconômicas e igualdade de gênero. Mulheres com baixa escolaridade, baixa renda e que vivem em determinadas culturas estão muito mais sujeitas a problemas como violência e abuso sexual’.

Se fizermos uma pesquisa rápida em jornais, revistas semanais e revistas femininas que estão nas bancas neste momento, vai ser muito difícil encontrar textos jornalísticos que discutam a situação das mulheres, especialmente as de baixa escolaridade e baixa renda.

Mundo de fantasia

As revistas femininas parecem preferir jogar esse tipo de assunto para baixo do tapete, com a desculpa de que não é exatamente um problema da sua leitora – a mulher de classe A e B, com boa escolaridade e poder aquisitivo de médio para alto.

Uma pesquisa do Ibope, tema da segunda reportagem do Estado, mostra que a violência é o maior motivo de medo entre as mulheres.Violência provocada por bebida (81% dos casos) e ciúmes (63% dos casos). Para a bebida, até se pode encontrar tratamento e cura. Quanto ao ciúme (46% dos entrevistados concordam em que a mulher que trai deve sofrer violência), poderia haver alguma ajuda da mídia – mostrando, por exemplo, caminhos civilizados para resolver questões ‘insuportáveis’ como a infidelidade.

Mas qual é a postura das revistas femininas? Relacionamentos amorosos são tema constante das publicações dirigidas às mulheres. Só que, em vez de discutir atitudes, motivações e conseqüências, as revistas perdem tempo com matérias que ensinam truques e táticas de conquista. O que vai acontecer depois é problema de cada um. Como se suas leitoras vivessem num mundo de fantasia, no qual o ‘casaram-se e foram felizes para sempre’ fosse o caminho inevitável dos relacionamentos afetivos.

Pautas freqüentes

Se no mundo islâmico as mulheres aceitam a punição porque não têm como reagir – e porque o direito foi dados aos homens por Alá –, no mundo ocidental as mulheres a aceitam em nome da estabilidade familiar: 11% dos pesquisados pelo Ibope concordam com que a mulher se submeta à violência pela estabilidade familiar.

Tem razão a supervisora das delegacias da mulher em São Paulo, quando diz que é preciso mudar a cultura. As mulheres têm que denunciar, os culpados têm que ser punidos e a mídia, que tem como uma de suas funções formar, além de informar, precisa assumir sua responsabilidade. Cada ato de violência contra mulheres, homens e crianças deveria render mais do que uma boa manchete.

O papel da imprensa, nesse caso, deveria ser o de alerta, tentando evitar a banalização da violência na nossa vida.

Mulheres estupradas, moradores de rua assassinados, crianças esmolando e roubando nas ruas – todos assuntos banalizados pela imprensa – e a forma de resolver tudo isso deveriam render mais do que uma ocasional manchete. São temas que deveriam ser debatidos com freqüência, até se tornarem tão raros que voltariam a ser notícia.

******

Jornalista