Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As coitadinhas das empresas de ônibus

No caderno ‘Rio’ de sexta-feira (1/6), O Globo comete um absurdo jornalístico na matéria ‘A vitória dos piratas’. É de uma incompetência (ou má-fé, que prefiro, a princípio, não considerar como uma possibilidade) extraordinária a parcialidade com que as informações sobre o avanço das vans e kombis é tratada.

Para começar, atribui-se unicamente o fenômeno à ‘concorrência desleal’ do transporte alternativo, que não tem de lidar com impostos, encargos trabalhistas e gratuidades.

Não posso ser radical e afirmar que se trata de uma concorrência perfeita. De fato, trata-se de uma vantagem que as vans têm e os ônibus não. Uma injustiça, enfim. Mas daí a afirmar que essa é a causa única da ‘invasão’ do transporte alternativo é uma grande palhaçada. A única explicação para que O Globo sustente essa informação é o fato de que as únicas fontes ouvidas são ligadas às empresas de ônibus, contrariando um princípio básico do bom jornalismo.

Eis as fontes ouvidas pelo jornal: a Fetranspor, o Sindicato das Empresas de Transporte da Costa do Sol (Setransol), a Rio Ônibus, o presidente da empresa Santa Maria e o Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado (Setrerj). São cinco fontes que têm sua voz ouvida na matéria, todas elas do lado dos empresários. É óbvio que o resultado final é uma matéria que faz as empresas de ônibus parecerem coitadinhas, por oposição ao demônio das vans e kombis.

Nem a lei respeitam

Qualquer calouro de jornalismo sabe que não se deve ouvir apenas um lado da história. Às vezes, O Globo insiste nessas ‘incompetências’ para fazer valer uma opinião (vide o caso Chávez). A isto se chama editorialismo. Cadê a voz dos proprietários de vans, que têm, até onde eu sei, um sindicato? E especialistas da área? Não têm nada a dizer? A população, principalmente a usuária da tal linha 780, cujo fim foi o gancho dessa matéria? Será que os usuários desse ônibus não têm um insight que ajudaria a entender a questão?

Parece que não se quer que seja publicado o óbvio e ululante. Que as empresas de ônibus no Rio de Janeiro oferecem um dos piores serviços públicos do país, com preços abusivos, carros caindo aos pedaços, motoristas que não param nos pontos etc. Isso sem contar o excesso de linhas na Zona Sul, e o déficit nas zonas mais carentes da cidade, justamente as regiões onde mais existem vans e kombis. Coincidência? Por que a repórter Fernanda Pontes não atentou para isso?

Não, a concorrência desleal, sozinha, não ajuda a explicar o problema. Sim, vans irregulares não deveriam existir; sim, muitas vezes elas atrapalham o trânsito, e não raro oferecem um serviço precário. Mas as empresas de ônibus também não estão muito acima em qualidade e muitas vezes nem a lei respeitam, como a Lei n° 2881/1999, que obriga as empresas a terem pelo menos um veículo adaptado para deficientes físicos. Todo mundo que anda pelo Rio de Janeiro vê que não são todas as empresas que acataram essa decisão da Câmara.

Informe publicitário?

Além do mais, as empresas recebem benefícios do Estado, como redução de impostos sobre combustível e aquisição de novos carros. E costumam ter suas vontades sempre referendadas pelos governantes, como nos aumentos de passagens (sempre muito acima da inflação), no caso da incômoda mudança da roleta para a frente do ônibus, e no da instalação de catracas eletrônicas. Esta última parece ter como objetivo a eliminação gradual da função do cobrador, pois, ao contrário do que se afirmava na época da mudança, já existem ônibus circulando apenas com o motorista, que tem de dividir sua atenção entre o trânsito e o dinheiro dos passageiros. A empresa economiza em salários, a passagem não diminui de preço e os acidentes ficam mais prováveis.

Por outro lado, alguns projetos de lei que trariam benefícios para a população, estranhamente não são aprovados, como o projeto n° 70/2001. Nele, definem-se regras como a proibição da circulação de veículos com mais de cinco anos de fabricação e a obrigatoriedade da aquisição – na renovação da frota – de modelos equipados com ar condicionado.

Como podemos ver, o governo parece achar mais importante para a população a adoção de catracas eletrônicas do que proibir a circulação das latas-velhas que vemos pela Zona Oeste e pela Zona Norte. Serão mesmo pobres coitados, os empresários do transporte público do Rio? E por que diabos O Globo só mostrou um lado da história? Ou será que era um informe publicitário, e eu me confundi?

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Estudante de Comunicação Social, Rio de Janeiro, RJ