Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As eleições e Tropa de Elite 2

‘A grande maioria das pessoas acredita mais facilmente numa grande mentira do
que numa pequena’, escreveu Adolf Hitler, acrescentando: ‘Quanto maior a
mentira, maior a chance de todos acreditarem nela’. Ele sabia do que falava. Seu
ministro da Cultura e da Propaganda, Joseph Goebbels, deveria ser o patrono dos
atuais marqueteiros, que insistem que seus candidatos devem mentir, fingir,
dizer o que não pensam, fazer aquilo em que não acreditam, num vale-tudo para
ganhar as eleições.


Com Hitler e Goebbels, deu certo por alguns anos, mas o fim trágico dos dois
poderia servir de aviso aos navegantes das águas turvas. Afinal ninguém pode
enganar todos durante todo o tempo. As tropas aliadas, principalmente as russas,
já estavam dentro da Alemanha, arrasando cidades inteiras, e os dois faziam
candentes discursos dentro de um bunker assegurando que a vitória estava
próxima, para dias depois se suicidarem com tiros na cabeça, depois de matarem
esposas, amantes, filhos e até o cachorro. Um final infeliz para alguns pode ser
o final feliz de muitos. Ou vice-versa. Foi o que aconteceu na Segunda Guerra
Mundial.


O povo faz boas e más escolhas, como sabemos. Há exemplos emblemáticos.
Manipulado por fariseus, condenou Jesus à morte e liberou Barrabás, em eleição
em que uma semana antes, no Domingo de Ramos, Jesus liderava as pesquisas e o
nome de Barrabás nem aparecia na lista de candidatos.


Se é tropa, não é elite; se é elite, não é tropa


Corte para o Brasil republicano. Se Dom Pedro II não tivesse sido exilado,
ganharia as primeiras eleições republicanas, caso fosse candidato. Caso não
fosse, era só candidatar a filha, Isabel. Não candidataria a mulher, como agora
faz Joaquim Roriz no Distrito Federal, porque já seria viúvo. A imperatriz
Teresa Cristina morreu em dezembro de 1889, pouco mais de um mês depois da
proclamação da República. Mas a Casa de Bragança ganharia fácil aquelas eleições
– qualquer eleição. Afinal, tinha abolido a escravidão no Brasil e não existe
povo mais agradecido do que o brasileiro. Vide as bolsas-família de FHC e Lula.
Deram migalhas, mas choveram votos de montão aos dois.


Serra e Dilma disputam esse patrimônio. ‘Para atrás é que se anda’, lembrou
Janio de Freitas na Folha de S.Paulo de domingo (17/10), ao identificar
com precisão a cumplicidade dos candidatos num outro tema solar dessas eleições:
‘Mas a responsabilidade pelo retrocesso não é só do radicalismo político em nome
da fé cristã. É também dos candidatos.’ Boa, Janio de Freitas! Você gostaria de
ler meu romance Avante, soldados: para trás, cuja 10ª edição a LeYa acaba
de lançar. Afinal, segundo meu ex-professor Eduardo Portella, esta é a melhor
metáfora do Brasil.


Pode-se falar em democracia sempre, a qualquer pretexto? Segundo Millôr
Fernandes, não: ‘Democracia tem hora. Vocês já imaginaram o terror que seria uma
viagem aérea em que o piloto fosse eleito pelo nosso Congresso?’


E aí entramos num terreno pantanoso. Intelectuais brasileiros adoram falar
mal das coisas públicas, dos políticos, da República. E nisso semeiam terras
férteis. Há um exemplo candente na praça. É o filme Tropa de Elite 2.
Aliás, o título do filme é uma contradição em si mesmo. Não pode existir uma
tropa de elite, pode existir uma elite da tropa, que, aliás, é o título do livro
em que o filme se baseou. Se é tropa, não é elite; se é elite, não é tropa. Mas
pegou, como pegam tantas coisas ilógicas, no Brasil e em outros lugares, e agora
está consolidado o segundo título.


Ali Babá não foi indiciado


Pois o distinto público, que aplaudiu a tortura no primeiro filme da série,
agora aplaude o pau nos políticos no segundo. O contexto ajuda. Denúncias
políticas pululam todos os dias, emergindo soturnas em telejornais, rádios,
primeiras páginas de jornais, capas de revista, portais da internet, blogues
etc. Quem não é ladrão, é palhaço, como Tiririca, eleito com quase 1,5 milhão de
votos. Enfim, os políticos são a bola da vez.


Mas a quem serve um discurso destes? Os intelectuais sabem que é melhor uma
sociedade aberta, ainda que repleta de ladrões ou palhaços, do que uma sociedade
sem eleições. Ou sem imprensa. O final de Tropa de Elite 2 deixa alguma
esperança? Parece que não. Todas as portas estão fechadas, mas nas últimas cenas
não inclui o prédio do Supremo Tribunal Federal quando, em grande plano, mostra
a sede da mentira, da corrupção, do engano: a Praça dos Três Poderes, em
Brasília. Oba! Quer dizer que, pelo menos, nos resta o Judiciário, onde repousa
o processo contra Ali Babá e os quarenta mensaleiros, ainda que Ali Babá ainda
não tenha sido indiciado.


No mato sem cachorro


Jesus inaugurou o Céu com um ladrão. Os três estavam agonizando na cruz.
Gestas, o mau ladrão, disse: ‘Se és Deus, salva-te a ti mesmo e a nós’. Dimas o
contestou: ‘Nós merecemos o castigo, afinal roubamos. Mas este é justo e não fez
mal nenhum’. E pediu: ‘Senhor, lembra-te de mim quando chegares a teu reino’.
Jesus respondeu: ‘Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso’.


‘Portanto, entre os crucificados, em percentuais redondos, 66% (Jesus e Dimas) eram justos, apenas 33% eram ladrões (Gestas). Boa amostragem. Pelo menos, melhor do que a dos atuais
institutos de pesquisa, que entrevistam cerca de três mil pessoas para saber a
opinião de 135.800.000 eleitores. É como avaliar o que os espectadores acharam
de Tropa de Elite 2 perguntando a meia dúzia deles.


O sociólogo e professor emérito da USP Francisco de Oliveira acha que outros
temas são muito mais falsos, que Lula é mais privatista do que FHC e que sempre
adorou desmoralizar os adversários e rebaixar os debates. O jornalista Uirá
Machado perguntou-lhe: ‘Dá a impressão que tanto faz votar em uma ou no
outro…’ E ele respondeu: ‘É verdade. É escolher entre o ruim e o pior’. Um dos
fundadores do PT, que rompeu com o partido ainda em 2003, dois anos antes do
mensalão, o professor certamente será pouco ouvido, mas, segundo sua avaliação,
os eleitores estão no mato sem cachorro neste segundo turno.

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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas