Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

As mulheres que deslumbraram a mídia

Duas mulheres foram a grande notícia da semana na mídia: estiveram em matérias de página inteira (ou muitas páginas) nos jornais e revistas, deram entrevistas na televisão e no rádio e, em conseqüência disso, foram mais faladas até do que os escândalos envolvendo o governo. Elas conseguiram um feito difícil: foram tão comentadas quanto a novela das 8. As donas da Daslu foram assunto obrigatório de ricos, muito ricos, classe média e pobres. Enfim, de todo mundo que é atingido pela mídia.

A realização dessas mulheres? Uma loja só acessível àquelas pessoas que são notícia em revistas de celebridades. Uma loja que, segundo a imprensa, tem o mailing de 45 mil milionários e remediados brasileiros. Além do mérito de servir ao ricos atendendo seus mais secretos desejos de consumo, as donas da Daslu prestaram um serviço aos sociólogos, que agora já têm um critério em que basear suas pesquisas: milionários são os brasileiros que não precisam (embora possam) pagar 30 reais pela primeira hora de estacionamento para entrar na loja.

Nessa inundação de notícias que revelaram aos mortais quanto custa verdadeiramente ser milionário, as emissoras de rádio conseguiram fazer bom jornalismo, mostrando, logo no dia da inauguração, a miséria exposta bem ao lado da loja de luxo, na favela que faz muro com a Daslu. Cobertura tão bem-feita que acabou gerando um texto brilhante de Fred Melo Paiva (O Estado de S.Paulo, 12/6). Com o título ‘Caríssima Eliana’, o repórter faz um tour pela favela, com um texto típico dos tempos do new journalism, que no Brasil começou com a revista Realidade e fez escola na imprensa até ingressarmos na era do press-release.

Uma matéria muito bem-vinda nesses tempos em que o estilo dos repórteres parece ter sido sufocado pela mesmice dos textos que se repetem em jornais e revistas, dando a sensação de que vão para o papel assim como vieram da assessoria de imprensa.

Imprensa deslumbrada

A cobertura da inauguração da Daslu revelou, de um jeito impossível de desconhecer, o deslumbramento da mídia com os ricos e famosos. Os repórteres, editores e cronistas tentaram, ao cumprir a determinação de seus pauteiros, usar ironia para falar do assunto, mostrando os exageros do luxo. Mas, no geral, a imagem que fica é que a imprensa, toda a imprensa, acredita mesmo que o assunto merece o destaque que recebeu.

A impressão que se tem é que veículos que gostam de se destacar da concorrência por serem essencialmente informativos (como jornais e revistas semanais) usaram a inauguração da Daslu para mostrar que dominam o mundo da futilidade tão bem como Caras, Flash e outras publicações pautadas pelas celebridades.

Nesse deslumbramento, em que cifras milionárias são citadas a cada frase, a imprensa só esqueceu de uma coisa: verificar se os 45 mil milionários brasileiros são mesmo milionários. Como é feito o mailing da loja que resultou nessa conta? Será que todo mundo que recebeu o cartão – e o direito de estacionar de graça – tem dinheiro para comprar na nova loja? Essa lista, que seria fonte de uma boa matéria, parece não ter despertado a menor curiosidade na mídia.

Será que o leitor precisa (e quer) conhecer tantos detalhes do mundo a que não tem – e dificilmente terá – acesso? Como se sente o leitor – inclusive o de alto poder aquisitivo – ao se sentir discriminado porque não tem, em seu guarda-roupa ou em sua casa, aquelas grifes anunciadas nos jornais e revistas durante a inauguração da loja?

E, do ponto de vista do marketing, como vão se sentir os anunciantes que não têm seus produtos na nova loja? Se dona Eliana e sua sócia mostraram aos sociólogos o verdadeiro sentido de ser milionário, os jornais não deixaram por menos ao vender praticamente edições inteiras aos anúncios das grifes que fazem parte da nova loja. Como se dissessem aos demais anunciantes: se sua grife não está nesta edição, você faz um produto menor, um produto destinado à classe média brasileira, aquela parcela da população que assina ou compra jornais e revistas em bancas, mas que não tem cartão para estacionar na nova loja da Daslu.

Quanto às mulheres, o que fica é a certeza que elas também podem ter seu lugar ao sol na mídia brasileira, recebendo um tratamento digno de celebridades: basta que, para isso, tenham uma idéia de gênio, bom assessores de marketing e dinheiro para conseguir um lugar no restrito mundo das celebridades. Às mulheres comuns – engenheiras, feministas, sociólogas, donas-de-casa, pesquisadoras, políticas, faxineiras – sobra o consolo de saber que podem virar notícia no Dia da Mulher, ou quando algum repórter muito inspirado como Fred Melo Paiva fizer um texto que diz: ‘A dona Amazina, que ainda não sabe se o nome dela é com s ou com z, trabalhou sempre na faxina’.