Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Às musas, tudo. A Minerva, o silêncio

No Olimpo grego existia uma grande diferença entre dois tipos de mulheres: as musas – belas e graciosas, que alegravam reuniões, concertos e festins do Olimpo – e Minerva, a deusa da sabedoria, que intimidava a todos com sua pose de guerreira. Em Brasília parece ser a mesma coisa.

Mas enquanto na velha Grécia todas mereciam a mesma devoção, a imprensa, aqui, só fala das musas. As minervas são ignoradas. É só conferir o espaço dedicado – desde maio, quando começaram as investigações – às senadoras e deputadas que atuam nas CPMIs (elas seriam Minerva, com sua atitude guerreira e a sabedoria na atuação) e comparar ao que foi gasto para falar das assim chamadas musas.

Tivemos Fernanda Karina, a secretária, Romilda Santiago, mulher do lar, Maria Cristina, a ex-mulher. Agora chegou a vez de Diana Buani, a mulher solidária.

Cada vez que uma delas aparecia para depor a imprensa se agitava, sonhando em transformá-la em musa instantânea. Os atributos necessários para o posto? Ser bonita ou estar em forma, estar relacionada a um homem envolvido no escândalo e ser capaz de fazer denúncias relevantes. Ou então, como no caso da mulher de Marcos Valério, ser capaz de se manter firme no papel de esposa, com direito a lágrimas e emoção.

Conclamando a mulherada

Se o comportamento da imprensa é ofensivo (chamar alguém de alegria dos festins não é das coisas mais elogiosas), as mulheres, movidas por interesse ou simplesmente fascinadas com os cinco minutos de fama, acabam entrando no jogo.

Fernanda Karina, a secretária, entrou vítima (sem dinheiro para pagar o advogado) e saiu candidata a deputada, por um partido que nada tem a ver com o PT de quem se declarava adepta: ‘A campanha [de 2006] vai ser pobre porque não vai ter malas com dinheiro. Eu vou ser uma candidata sem dinheiro. E vai ganhar quem tem propostas, e não financiadores. Isso será bom para a sociedade’ (Agência Folha, 16/9).

Romilda Santiago continua coerente com seu papel de mãe de família, como mostra sua mais recente declaração: ‘Não tenho a menor paciência para essas conversas sobre musas. Hoje só quero preservar os meus filhos. Para sair de casa, coloco óculos escuros e faço penteado’ (O Estado de S.Paulo, 18/9).

Maria Cristina Mendes Caldeira, ex-mulher do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que ao terminar o depoimento disse que queria voltar a trabalhar (ela é produtora de TV), ‘saiu do episódio conclamando a mulherada a contar o que sabe’, segundo o Estado (18/9).

Coadjuvante da assessora

Sobre algumas, a imprensa ‘geral’ antecipou-se à revista Playboy e anunciou que apareceriam nuas.

A mais nova musa, Diana Buani (até o fim dessa história certamente aparecerão muitas outras), declarou-se lisonjeada, mas disse que não cogita aparecer em revistas ‘por enquanto’ (Estado, 16/9). A Veja, que saúda Diana Buani como herdeira à altura de Thereza Collor, também a acusa de mostrar mais do que deveria:

‘Aos 30 anos, beleza de tirar o fôlego, a mulher de Sebastião Buani, o dono do restaurante que caiu na mira de Severino Cavalcanti, está enfrentando a celebridade instantânea com uma mistura de ingenuidade e encantamento. Postada ao lado do marido em todos os momentos, maquiada, de salto alto e decotes que evidenciam os seios ressaltados com 230 mililitros de silicone, a pergunta inevitável que Diana, como prefere ser chamada, mais ouve é se posaria nua para uma revista masculina’.

E conclui:

‘A senhora Buani mostra mais do que seria aconselhável’.

É como se houvesse um acordo de toda a imprensa: mulher é notícia quando desperta desejo nos homens. Se elas já ganharam voto, ocupam um cargo importante, estão aparecendo com competência na investigação da corrupção, é melhor não falar delas. Ou, no máximo, como no caso da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), mencioná-la como coadjuvante. A estrela é a assessora, que trocou o trabalho com a senadora petista pelas páginas centrais da revista Playboy.

Alcinhas e cabelos

A mídia é a única culpada? É culpada, certamente, por alimentar a imagem da mulher como objeto. Mas as mulheres, como bem mostra a secretária Karina, também fazem o jogo. Não deu certo o negócio de 2 milhões de reais, ela imediatamente passa a defender que vai entrar na política e que se elege quem tiver conteúdo.

Como fica, nessa história toda, a imagem das minervas do Congresso – juíza Denise Frossard, senadora Heloisa Helena, senadora Ideli Salvatti, deputada Zulaiê Cobra – que, com seu questionamento firme e direto, tiram as sessões das CPMIs do marasmo? Elas não mereceriam, por seus méritos, algumas linhas da imprensa?

Vai ver que não descobriram o marketing mais eficiente para ganhar espaço, como a filha do deputado Roberto Jefferson, que virou notícia por usar um vestido de alcinhas, considerar seus cabelos um patrimônio e ser extremamente preocupada com a forma física. Ou, então, é a imprensa que – por preconceito ou simples falta de sensibilidade – prefere tratar ‘a mulherada’ como objeto.

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Jornalista