Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Avareza global sobre Paulo Autran

Paulo Autran, que interpretou em seu último trabalho o avarento, de Molière, foi, ironicamente, vítima da avareza da Rede Globo, que explora o trabalho dos artistas e jornalistas em geral. Estes assinam contratos com as empresas que evitam que eles ganhem dinheiro com sua própria arte. As cenas de Guerra do Sexo, novela global em que Autran contracena com Fernanda Montenegro, uma das mais hilariantes da história da TV, são repetidas à exaustão, na apresentação da vida do autor e da autora em diversas oportunidades, mas não se paga qualquer direito autoral a eles, reclamou o grande artista, que deixou vazio enorme na cena cultural brasileira. Acontece a mesma coisa com as matérias dos repórteres, mercadorias amplamente comercializadas no mercado sem que recebam comissão alguma. Roubo.

Se os autores recebessem direito autoral, ou se existisse uma legislação que obrigasse as empresas a pagar um percentual por cada apresentação do trabalho profissional deles, teriam melhor poder de compra que se traduziria em fortalecimento do setor cultural, com ampla distribuição da renda e, ao mesmo tempo, maior interatividade entre capital e trabalho no processo de dinamização da cultura nacional, com resultados satisfatórios para ambas as partes.

Bagaço de laranja

Ao contrário, o que se vê é exploração brutal, como reclamou Autran, com razão, por ser também um empreendedor que tinha que matar um leão por dia a fim de garantir a sua arte no tempo, como empreendimento cultural e empresarial. Extraordinário empreendedor. Afinal, os custos operacionais da empresa teatral são semelhantes aos custos operacionais que os empresários em geral bancam para garantir sua margem de lucro na venda dos seus produtos.

O cruel é que as empresas de comunicação – no caso, a Globo, que investiu em Guerra dos Sexos para apresentar ao grande público – cobram os olhos da cara quando algum interessado busca comprar imagens de trabalhos profissionais dos grandes atores ou de outras variedades de trabalhos de imagem.

Cada minuto é vendido pela Globo por R$ 2 mil, no mínimo. Acumula-se estoque de produção dos artistas que multiplica os lucros da família Marinho, mas não se deixa nada para eles em sua aposentadoria. São jogados fora como bagaços de laranja. Uma parte dessa venda teria que ser, obrigatoriamente, do profissional, do trabalhador, cujo trabalho gera valor que se valoriza.

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Jornalista, Brasília, DF