Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Baixaria no rádio, agora via satélite

Howard Stern, o maior radialista da atualidade nos Estados Unidos, está diante de mais uma grande polêmica. O comunicador, que há anos ficou famoso pelo seu estilo ácido de fazer humor, está sendo processado pela CBS Radio, rede pela qual transmitiu seu programa diário até meados de dezembro passado.

Desde o dia 9 de janeiro último Stern passou a trabalhar para o grupo Sirius Satellite Radio, levando seu programa The Howard Stern Show, sua grande audiência e milhões de dólares em receita publicitária para a nova casa. O motivo do processo por parte da divisão de rádio da CBS fundamenta-se em ‘múltiplas quebras’ de contrato. Um dos argumentos é de que Stern teria um acordo não revelado com a Sirius em que ganharia vultosos valores em ações, proporcionais ao número de novos assinantes que conseguisse atrair para a Sirius, enquanto ainda na CBS. Outra alegação é de que o radialista impropriamente usou o tempo de ar da CBS para fazer propaganda de sua nova estação.

Stern promoveu fortemente sua ida para a Sirius Satellite Radio durante os últimos 14 meses com sua atração diária pelas emissoras da CBS Radio (que até o final do ano passado era chamada de Infinity Broadcasting), explicando detalhadamente os benefícios que teria e como seu programa seria transmitido no novo formato. Além disso, conclamou os ouvintes a tornarem-se assinantes da Sirius, mediante o argumento de que a empresa de rádio via satélite não iria sofrer censura da forma que a Infinity sofria. Ele teve como motivação principal para trocar de emissoras o fato de que a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos não poderia mais multá-lo no rádio via satélite por assinatura pelo teor do conteúdo transmitido pelo seu programa – como considerações de natureza sexual, imoral e sobre funções orgânicas do corpo humano, que foram consideradas ‘indecentes’ pela lei americana.

Stern foi oficialmente notificado sobre o processo no dia 28 de fevereiro, após uma reunião com o presidente da CBS Corporation Leslie Moonves. Stern e seu empresário Don Buchwald serão citados como réus no processo. No mesmo dia, o radialista convocou uma entrevista coletiva em Nova York para colocar a sua versão dos acontecimentos. Ele disse que não compreendeu os motivos que levaram a sua ex-emissora a processá-lo, levando em conta que gerou milhões de dólares para o caixa da CBS com o sucesso alcançado pelo seu polêmico, porém rentável programa. Ressaltou também que essa medida é uma ‘vingança pessoal’ de Leslie Moonves, que não teria aceitado sua saída.

‘Eu cheguei a me emocionar e quase chorei com essa situação. Não percebi nenhuma emoção da parte do Les. Talvez seja o botox. É tanto que não dá para perceber as reações dele’, disse Stern na coletiva. No processo, a CBS exige que Stern e Buchwald devolvam todos e quaisquer benefícios financeiros que tenham sido obtidos com a promoção feita em favor da Sirius dentro do espaço de ar da CBS.

Recados em camisetas

Na segunda-feira (12/3), Howard Stern foi convidado único no programa Late Show¸ de David Letterman, que é transmitido pela rede CBS de televisão nos Estados Unidos. Usando um veículo da CBS para falar mal da própria companhia, Stern explicou que está sendo coagido a aceitar imposições do presidente Leslie Moonves e alegou que a situação que vive é a mesma pela qual passou o jornalista Dan Rather – que foi forçado a deixar em março do ano passado a apresentação do telejornal CBS Evening News após ter assinado uma reportagem que se baseou em documentos não-autenticados sobre a passagem do presidente George W. Bush na Guarda Nacional norte-americana. Esta reportagem foi exibida pelo jornalístico semanal 60 Minutes II, que foi cancelado. ‘Não vou deixar que façam comigo o que fizeram com Dan Rather. Não serei pressionado’, disse a Letterman.

Howard Stern entrou no palco do programa da CBS usando uma camiseta com uma foto de Moonves e de sua esposa Julie Chen (apresentadora do matinal Early Show e do Big Brother americano, ambos exibidos pela CBS) com a frase ‘Eu odeio a turnê 2006 de Les’. Indignado, ou querendo chamar atenção, Stern ainda comentou que o chefe de David Letterman possui caráter questionável. ‘Você está trabalhando para um dos maiores idiotas do mundo. A CBS pegou um ator de terceira categoria do seriado Love Boat e transformou-o em presidente’, comentou Stern, fazendo uma alusão ao fato de que Moonves é ator e fez participações em seriados da década de 1970.

Na entrevista, o radialista novamente colocou que o motivo real do processo movido contra ele seria o fato de que a audiência e receita da CBS Radio teriam despencado com sua saída. David Letterman, que já teve brigas públicas com Leslie Moonves, disse apenas: ‘Eu e o senhor Moonves nunca estivemos mais felizes’.

Em nota oficial, a CBS alega ter tido uma postura tranqüila sobre a participação de Stern em um dos seus maiores produtos. ‘Nós acreditamos que esta participação foi uma tentativa desesperada em desviar a atenção dos fatos deste caso. Nós esperamos que, na cobertura subseqüente desta entrevista, a mídia não seja enganada ou seduzida de nenhuma maneira. Howard Stern fez algo errado e nós pretendemos demonstrar esta conduta errada no tribunal’.

Como resposta ao processo, Howard Stern lançou uma linha de camisetas que vende pela internet com as inscrições ‘Les é minha cadela’ (Les is my bitch) e ‘Howard odeia Les’ (Howard hates Les).

Plástica facial

Com 52 anos de idade e uma carreira que começou na década de 1970, Howard Stern auto-apelidou-se como ‘king of all media’ ou ‘o rei de todas as mídias’. O seu primeiro trabalho em rádio foi pelas estações WCCC-AM e WCCC-FM, em 1978, na cidade de Hartford. A esta fase é atribuído o surgimento da personalidade sem-censura do apresentador.

Após ter passado pela freqüência modulada de Detroit e Washington, Stern emplacou seu trabalho na WNBC-AM de Nova York a partir de 1982. Em 1984, teve a primeira aparição para a mídia nacional, ao ser convidado por David Letterman para participar do programa de entrevistas Late Night, na NBC. O estilo caótico e o humor de latrina fizeram Stern e sua equipe inteira serem demitidos da WNBC-AM em 1985. No mesmo ano, retornou à banda FM na emissora WXRK-FM, também em Nova York, e a partir de fevereiro de 1986 tomou conta do período matinal com seu programa e de lá nunca saiu.

O sucesso da atração fez com que fosse agenciada e vendida para emissoras de todo o país (syndication) pela Infinity Broadcasting naquele mesmo ano. Howard Stern atingiu o posto de programa líder de audiência nos principais mercados como Nova York, Los Angeles e Filadélfia. A última edição deste programa na freqüência modulada tradicional foi em 16 de dezembro do ano passado, com um megaevento nas ruas de Nova York, onde Stern comemorou a sua transferência para a FM exclusivamente via satélite.

Logo após o final da última edição, Stern foi introduzido oficialmente na Sirius Satellite Radio pela empresária Martha Stewart, que também possui um programa na empresa. O sistema de rádio via satélite é semelhante ao das operadoras DirecTV e Sky, onde o assinante ganha um receptor específico para o acesso ao conteúdo. Howard Stern alegou que pelo menos 18 mil novos assinantes contrataram o serviço da Sirius com sua entrada.

O universo que gira ao redor de Stern inclui co-apresentadores e tipos estranhos que interagem com os ouvintes, fazem entrevistas e passam trotes. A anarquia é pré-requisito básico para todos integrantes. Um retardado mental e um gago também já fizeram parte do elenco.

Um dos pontos altos do formato são as entrevistas com celebridades, quando nenhuma pergunta é imprópria. Outro ponto alto são os esquetes e quadros de comédia através dos quais são feitas críticas a assuntos do momento e modismos passageiros. Desde 1994, o programa radiofônico também é gravado com câmeras de televisão, rendendo programas televisivos no sistema a cabo norte-americano e também em emissoras abertas.

Já foram integrantes regulares do programa de Howard Stern figuras conhecidas como os atores William Shatner, George Takei e o megaempresário Donald Trump. Sem contar comediantes de renome nos Estados Unidos como Jimmy Kimmel, Norm MacDonald, Penn Jilette e Jerry Seinfeld.

Estreando em 9 de janeiro pela Sirius, Stern manteve o mesmo roteiro para a atração e anunciou o novo número alfanumérico de contato para os ouvintes: 1-888-9-ASSHOLE – sendo que a palavra em questão pode ser traduzida como ‘idiota’ ou ‘imbecil’, embora signifique literalmente certa parte do corpo humano. Para criar uma expectativa em cima do novo/velho programa, Stern programou para o dia 16 de janeiro uma revelação coletiva com o objetivo de impulsionar a audiência no novo veículo. Todos integrantes do elenco revelaram um segredo íntimo absoluto. O de Stern era sobre uma plástica facial que fez, embora outros integrantes confessassem que pagaram abortos de ex-namoradas e vícios relacionados à pornografia virtual (sem contar outros mais escatológicos).

‘Homenagem’ à cantora

Esse formato tresloucado e ao mesmo tempo inovador seria impossível de ser mantido único. Stern e companhia foram o ponto de partida para que a Rádio Jovem Pan FM de São Paulo implantasse o programa Pânico. A premissa básica das duas atrações é praticamente igual, exceto na questão da apresentação central, já que o radialista Emílio Surita não obedece ao papel sem limites desempenhado por Stern.

A riqueza dos detalhes de Howard Stern foi reproduzida por aqui também. A versão brasileira chegou a copiar até as eventuais ligações que a então esposa de Stern, Alison, fazia para conversar com o marido e participantes. A idéia de televisionar o que se passa no estúdio durante o programa também foi imitada pela Jovem Pan FM, que transmite o programa pela internet. Sucesso no rádio e na televisão, o Pânico é hoje a maior audiência da emissora e pode ser ouvido no país todo através da rede de afiliadas da Jovem Pan FM.

O estilo controvertido de fazer humor inaugurado por Stern também se tornou conhecido pelas reações extremas que provoca. Com diversas emissoras multadas por certas piadas transmitidas por seu programa, Stern migrou para o sistema via satélite pago para que seus assinantes e ouvintes pudessem ter acesso ao seu cáustico conteúdo sem restrições legais. Como, por exemplo, a que aconteceu em abril de 2004, quando o grupo Clear Channel Communications, que transmitia o programa em seis das suas emissoras de rádio, foi multado em 495 mil dólares por conta de uma discussão sobre práticas sexuais e o uso de um suposto produto de higiene pessoal chamado ‘sphynctherine’. O relatório da Comissão Federal de Comunicações citou pelo menos 18 ‘violações indecentes’ durante o episódio – que culminou com o cancelamento do programa nas estações da Clear Channel.

Stern colecionou outras punições maciças ao longo dos anos. Como a sofrida em 1992, quando a Infintity Broadcasting recebeu uma multa no valor de 600 mil dólares da Comissão Federal de Comunicações. A razão para punição foi um debate motivado no programa sobre se a personagem-símbolo de produtos de culinária Aunt Jemima despertava o desejo sexual. Sem papas na língua, Stern disse ao vivo: ‘O mais próximo que já cheguei a transar com uma mulher negra foi quando eu me masturbei olhando uma foto da Aunt Jemima numa caixa de panquecas’.

Em 1995, um dia antes do velório da cantora hispânica Selena Quintanilla, Stern reproduziu uma de suas músicas com sonoplastia de tiros ao fundo. Stern comentou na ocasião: ‘Espanhóis não tem bom gosto para a música. Não têm profundidade’. Uma semana depois, após inúmeras reclamações, o radialista emitiu um pedido de desculpas em espanhol.

Canal de pseudonoticiários

Muito antes de ser disseminado nos Estados Unidos um certo sentimento antifrancês, em razão de a França ter se negado a participar na coalizão que fez a guerra do Iraque, Howard Stern já deixava clara a sua ira contra o país da torre Eiffel. ‘Eu venho implicando com os franceses por 15 anos. Eu não gosto dos franceses. Eu penso que durante a Segunda Guerra Mundial a França nos traiu. Eu acho o que o que eles fizeram foi o ato mais covarde. Aí, quando os nazistas invadiram a França, os franceses ficaram de quatro. Quando estive na França recentemente, percebi que os americanos são vistos como sujeira. Nós somos o povo que os libertaram durante a Segunda Guerra. Eles deveriam ter sido nazistas, estarem sob o regime nazista. Eles deveriam estar beijando nossos traseiros’.

A mais recente das pautas polêmicas do The Howard Stern Show chama-se CBS. Mas não somente pelo processo que está sofrendo. Na quinta-feira (16/3), Stern passou boa parte do seu programa debochando da rede CBS pela multa de 3,6 milhões de dólares que recebeu por uma cena do seriado Without a Trace que presumia uma situação de orgia entre adolescentes. O site oficial de Stern também manteve esta manchete na capa.

Na nova fase via satélite pela Sirius, The Howard Stern Show vai ao ar de segunda a sexta das 6h às 11h, com reprises às 13h, 19h e 0h. O sistema Sirius Satellite Radio possui pelo menos 150 canais. Howard Stern pode ser ouvido no 100 e 101 (o de Martha Stewart é o 112). No canal 100, intercalam-se com o programa de Stern pseudonoticiários chamados Howard 100 News, com notícias relacionadas ao apresentador e seu programa. Internautas interessados podem acessar o sítio do Sirus e obter uma senha para ouvir os canais da empresa de graça por três dias.

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Ainda sobre a CBS, agora no ramo de televisão. Cresce a expectativa sobre a possibilidade de a jornalista da NBC Katie Couric assumir a apresentação do jornalístico noturno CBS Evening News. O contrato de Couric vai até dia 15 de maio e, até lá, a apresentadora do matinal Today está impedida de negociar com a CBS. Na semana passada, o informativo online Drudge Report divulgou com exclusividade que muitos executivos da divisão de jornalismo da rede CBS seriam contrários à compra do passe de Katie Couric como âncora principal da rede. Drudge Report também detalhou que fitas da atuação de Couric como âncora-substituta de Tom Brokaw no NBC Nightly News em 2001 foram avaliadas pela CBS, e os resultados não teriam sido bons.

Segundo o informativo, um executivo da CBS que pediu anonimato disse que o fato de Brian Williams ter sido o escolhido para suceder a Brokaw – e não Couric – alerta para algo. ‘Elegantemente falando, simplesmente não é o caso. Veja, por que você acha que a NBC deixou-a de lado e escolheu o Brian Williams? Eles alegaram que ela vale mais para eles nas manhãs, mas acho que o que pesou foi como ela desempenhou como âncora noturna.’

Outro jornalista da CBS ouvido pelo Drudge Report disse que o momento em que o CBS Evening News aos poucos se recupera não é o ideal para uma troca dessa dimensão. ‘Estamos apenas a 600 mil telespectadores de alcançarmos e passar a ABC. Eu mantenho que agora não é hora disso’, disse o executivo, que viria a trabalhar com Couric se ela mudasse de rede. Por fim, um terceiro gestor da CBS News disse, também sem ter o nome citado: ‘Não estou sendo machista. Estou tendo a mente aberta com tudo isso. Mas estou preocupado’.

O CBS Evening News vem sendo apresentado desde março do ano passado interinamente pelo jornalista Bob Schieffer.

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Jornalista