Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cabeça, bolso e coração

Numa escola pública da periferia de São Paulo, faz três anos, um advogado recém-formado, sem emprego, reprovado no exame da OAB, foi dar aulas de História para turmas do ensino médio. Começou como professor temporário e nessa condição permanece, aprendendo aos trancos e barrancos a arte de ensinar. Situações semelhantes, há muitas.

Também em São Paulo, uma professora temporária há dez anos na rede pública, que já fez três concursos para efetivar-se e obteve colocação sofrível nas três ocasiões, ainda não foi convocada. Embora ganhe pouco, não se queixa porque o pouco, somado à baixa remuneração do marido, é ajuda fundamental em casa.

Outros tantos casos parecidos, não divulgados por serem talvez corriqueiros, nos ajudariam a entender a situação de desprestígio do professor brasileiro, e em particular em São Paulo, estado mais rico do país. E não há exagero algum nas avaliações que temos lido repetidas vezes. Em recente editorial da Folha de S.Paulo, afirma-se que ‘a qualidade da educação no Brasil é calamitosa’ (06/02/2010). Na continuação, declara-se reprovada a educação em São Paulo e que medidas ‘para tentar reverter o desempenho ruinoso’ dos alunos, como a bonificação para professores e o estímulo à participação dos pais, não são suficientemente vigorosas.

Algumas atitudes básicas

Na revista Veja desta semana (ed. nº 2151), com assinatura de Marcelo Bortoloti, o artigo ‘Prestígio zero’ confirma a calamidade educacional, acrescentando a informação de que a maioria dos estudantes do ensino médio, em especial os de melhores notas, não quer exercer o magistério. Descartam esta possibilidade profissional porque veem professores com prestígio zero e remuneração tendendo a zero.

Ora, os docentes da rede pública são mal remunerados porque, na opinião de muitos governantes, a maior parte dos professores não tem talento para ensinar e, portanto, dar-lhes salários melhores seria jogar dinheiro fora…

Marcelo Bortoloti acredita que ‘distinguir os profissionais de melhor desempenho em sala de aula, com iniciativas como bônus no salário e mais responsabilidade na escola’ é ‘potente motor de atração’ para a carreira docente… Lamento dizer que este bônus é ação tímida e de duvidosos resultados. Tornar a carreira do professor atraente exige muito mais. Muitos governadores, prefeitos e secretários de Educação precisariam desenvolver novas atitudes. Menciono algumas: não subestimar a inteligência e a sensibilidade dos professores, oferecer-lhes condições de trabalho decentes e formação de alto nível, remunerá-los melhor e daí, sim, exigir a contrapartida necessária. Estas e outras atitudes colaborariam de modo efetivo para que a sociedade revalorizasse a profissão docente.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br