Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cabeça nas nuvens

Como boa parte dos colunistas do jornal, eu também trabalho em casa. Uso o Word e mando as colunas por e-mail, o que funciona perfeitamente, já que elas têm sempre o mesmo tamanho. Isso não chega a ser novidade na minha área. Jornais e revistas sempre funcionaram à base de trabalho à distância: correspondentes espalhados pelo mundo sempre mandaram cartas, telegramas e telefotos para a base, isso quando não ditavam textos inteiros pelo telefone. Rolos de filme cruzavam o mundo levados por mensageiros ou serviços de correio, enquanto carros da redação cruzavam cidades recolhendo o material produzido pelos jornalistas. Incontáveis cenas de filmes já mostraram intrépidos repórteres brigando pelo único telex da ilha ou pela cabine telefônica estratégica. Todos já vimos essas cenas épicas, mas mesmo a realidade corriqueira seguia script parecido.

Mobilidade e flexibilidade sempre fizeram parte do repertório das redações de jornal, das emissoras de rádio e das estações de televisão: a essência do trabalho das empresas de comunicação é a informação, e ela dificilmente se encontra sempre no mesmo lugar. Mas, para muitas outras áreas, o trabalho à distância é uma novidade recente, que só começou a sair da ficção científica há pouco tempo. Ele foi o grande tema da Citrix Synergy 2015, conferência a que assisti na semana passada, em Orlando. A tendência do “escritório virtual” é universal – e, universalmente, enfrenta os mesmos problemas.

Para começo de conversa, o ambiente tecnológico mudou radicalmente nas últimas décadas. Onde antes existiam desktops iguais conectados uns aos outros, trabalhando juntos num mesmo espaço, hoje existem PCs, Macs, tablets e smartphones, cada um num canto – e, acima deles todos, a nuvem. Onde antes existiam um ou dois programas, que chegavam às máquinas em suporte físico e rodavam quase sempre em Windows, hoje existem centenas de aplicativos nas mais diversas plataformas.

O foco da Synergy 2015 foi o desafio que isso representa para os especialistas de TI, obrigados a lidar com uma multidão crescente de aparelhos de diferentes tipos, alguns corporativos, outros pessoais. Os desafios de segurança são, claro, cada vez maiores – antigamente as empresas trabalhavam com relatórios, projetos ou fichas que podiam ser trancados e vigiados, ao passo que hoje o conteúdo já nasce em formato digital. Ou seja, pode ser roubado sem que os ladrões carreguem nada. Pensem em prontuários médicos, projetos industriais, processos legais… Ferramentas como o Workspace Cloud, da Citrix, precisam lidar com todas essas variáveis.

– O desafio do trabalho à distância não é só tecnológico – explicou-me Luis Banhara, gerente regional da empresa no Brasil. – É cultural também, e à vezes representa um choque de gerações. A partir do momento em que os aplicativos e o armazenamento foram para a nuvem, o trabalho deixou de ser estanque. Ele não precisa mais ser realizado no mesmo espaço físico dos documentos, porque os documentos não estão mais num espaço físico. Mas ainda há gerentes que querem ver todos os funcionários à sua frente, nas suas estações de trabalho, porque não imaginam outra realidade; por outro lado, as novas gerações que estão chegando ao mercado não trabalham mais assim. Elas já nasceram num mundo digital, móvel.

É claro que certas tarefas nunca poderão ser executadas à distância; ao mesmo tempo, o convívio entre colegas é estimulante, e não deve ser abandonado. Mas num mundo que já entende que nem todas as pessoas têm o mesmo relógio biológico, e onde há cada vez mais carros nas ruas, não faz mais sentido que o que também pode ser feito de casa seja sempre feito do outro lado da cidade.

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Cora Rónai é colunista do Globo