Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Caiu na rede é peixão

Incrível a capacidade da imprensa de transformar um peixinho em peixão. Parece conversa de pescador, mas a mídia torna qualquer ser humano um pop-star em meros segundos. E no país do futebol, natural que os jogadores sejam alçados à condição de estrelas com muita facilidade e freqüência. Nada contra os boleiros, pelo contrário, muitos têm histórias de plena superação pelas quais cultivo muita admiração, mas a maioria ganha o estrelato com uma ajuda em doses cavalares dos canais de televisão. Além disso, confessemos: não somos muito exigentes na hora de escolher nossos ídolos, e também adoramos ouvir fofocas sobre a vida deles. Portanto, com a fragilidade cultural brasileira, os veículos de comunicação aproveitam para vender papel, ganhar ibope e angariar anunciantes.

Com tanto assunto importante para ser discutido, é triste ver os intermináveis programas esportivos discutindo se o gol levado pelo Santos foi ‘frango’ ou não do seu goleiro. Horas, eu disse horas, debatendo essa questão crucial para nossa sobrevivência. O chapéu do Tevez, com os dizeres ‘Eu amo você, Debora’ custou horas da paciência dos brasileiros. E pode ser até dia de eleição para presidente, mas os tópicos futebolísticos estão sempre em primeiro lugar.

Incrível: qualquer chute concretizado em gol, mesmo que meio sem querer, pode transformar a vida de qualquer um, de preferência quando acontece em clássicos estaduais. Estes mesmos indivíduos, elevados à posição de ídolos, ignoram os clubes que os projetaram e partem para a Europa atrás de euros. Portanto, o fanatismo e a emoção fabricam ídolos a todo momento, mas ídolos sem raízes. É por isso que há tantos jogadores lembrados apenas por um jogo. Não importa, caiu na rede é peixão. Estampa a foto na primeira folha, entrevista, visita a família, conta a história sofrida rapidamente enquanto é tempo. Se precisar, inventa até umas mentirinhas para tornar a versão mais triste.

Quantos acompanharam?

O Brasil, no âmbito esportivo, tem inúmeros exemplos de ídolos, como Aryton Senna, o ainda atuante Robert Scheidt, Gustavo Borges, Gustavo Kuerten e muitos outros. Mas os jogadores de futebol chamam a atenção para um aspecto importante da sociedade brasileira, que é a dificuldade de mobilidade social. Por essa dificuldade de se mover ao longo da pirâmide social, os ídolos futebolísticos têm identificação maior com a população, pois levam aos menos favorecidos a esperança em mudar de vida, o que já não acontece com os esportistas citados, pelo fato de virem de famílias com boas condições financeiras.

Não há, em minha opinião, exemplo melhor que o do maratonista Wanderlei Cordeiro de Lima. Além de vir de uma realidade bastante humilde, mostrou nas Olimpíadas de Atenas incrível espírito esportivo ao festejar o terceiro lugar na maratona, após ser atrapalhado por um ex-padre irlândes. E não fez corpo mole, cruzando a linha de chegada com a bandeira brasileira na mão e o coração em pranto. E nada de badalação na mídia. Claro que algumas entrevistas foram concedidas, mas não deixou de ser o que é. Este sim, é um verdadeiro ídolo que devemos admirar.

A mídia desinformativa e alienadora também, obviamente, é formadora de opinião. No caso, de opinião nenhuma. Desviar a atenção da população para os acontecimentos importantes é uma forma de manutenção de poder. É por isso que a Globo promove o rodízio de ‘moradores’ na bela casa do Big Brother Brasil no Rio de Janeiro. No mesmo período da eleição do presidente da Câmara dos Deputados ocorreu a votação para expulsar alguém da casa. O ‘paredão’ global atraiu 14 milhões de votos. E a eleição do Congresso? Quantos acompanharam? Interesses e preferências ficam cada vez mais claros. E estamos cada vez mais sem opinião, sem participação, sem atuação, e o que é pior, sem perspectivas…

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Jornalista (www.raciociniocritico.com)