Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carceragem e tortura em Santa Catarina

Este fim de semana a imprensa noticiou mais um caso horripilante de tortura contra presidiários. Num banheiro de uma penitenciária de Santa Catarina, agentes públicos espancaram dois homens algemados e afogaram um deles numa privada (ver aqui)

A Constituição brasileira garante a integridade física e moral do detento (art. 5º XLIX) e proíbe a existência de penas cruéis (art. 5º, XLVII, ‘e’). A tortura é crime inafiançável (art. 5º, XLIII, da CF). No Brasil, a finalidade do cumprimento da pena é a reeducação e ressocialização do detento (Lei 7.210/84).

Ficou parecendo que a imprensa fez seu papel. Os jornais televisados mostraram o vídeo das agressões e a correta reação do governador de Santa Catarina, que imediatamente afastou os envolvidos. A representante da OAB daquele estado também foi entrevistada e disse que o que ocorreu é inadmissível.

A imprensa poderia fazer mais do que isto? Eu penso que sim.

É preciso discutir permanentemente a cultura que gerou aquele tipo de atrocidade. Todo comportamento humano é gerado dentro de um contexto e só se reproduz constantemente se é tolerado ou tem aprovação. Este é um caso em que o que é ilegal (a tortura) não é imoral?

Sucursais brasileiras da Gestapo

A imprensa também poderia mostrar como as penas são cumpridas em outros países que respeitam os direitos dos detentos. Mas não de forma jocosa, como ocorreu no caso da prisão austríaca descrita pelos jornalistas brasileiros como sendo de ‘luxo’. Nos casos mais graves, a pena de privação da liberdade deveria ser o bastante. Na verdade já é porque qualquer ser humano não se sente bem enjaulado (ainda que a jaula seja decente).

Muitas reportagens investigativas sobre a situação dos presídios brasileiros já foram feitas. Até a OEA já nos avisou que do jeito que está não pode ficar. E eu me pergunto: os governadores (encarregados por Lei de organizar o sistema prisional dos Estados) leram essas reportagens? Deram importância ás recomendações da OEA? Enquanto a TV, que é o maior e mais importante meio de comunicação, não dedicar mais seriedade e tempo ao tema, a população continuará elegendo os mesmos governadores e parlamentares que permitiram que as prisões fossem transformadas em câmaras de tortura.

Nunca deixo de me surpreender ao ver como alguns articulistas continuam a escrever centenas de milhares de linhas sobre as atrocidades cometidas em Cuba, na antiga URSS e satélites. O que eles querem? Querem desviar a atenção da população brasileira dos nossos problemas carcerários ou que nós acreditemos que nossos presídios já são suficientemente bons?

Os médicos fazem o juramento de Hipócrates. E os jornalistas? Juram ser hipócritas? Sem um empurrão da imprensa, as coisas não mudam. É preciso que o cidadão brasileiro diga em alto e bom som: eu não quero pagar o salário dos agentes de segurança pública que são torturadores e não quero que o governador do meu estado permita que os presídios se transformem em sucursais brasileiras da Gestapo.

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Advogado, Osasco, SP