Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta aberta à maior semanal do país

A Ação Educativa gostaria de manifestar seu repúdio à maneira com que a revista Veja abordou a questão da indisciplina de estudantes nas escolas brasileiras e os reflexos do comportamento dos jovens na vida dos professores na reportagem ‘Com medo dos alunos’, publicada na edição nº 1.904 (11/5/2005).


Consideramos que a matéria não contribui para a compreensão do fenômeno da indisciplina, pois apresenta as escolas como territórios de guerra, absolutamente caóticas, em que jovens hedonistas subjugam os adultos com requintes de crueldade. Isso não corresponde à realidade.


Embora haja casos mais extremos de violência escolar, muitos pesquisadores demonstram que, comparada a outros espaços públicos, a escola pode ser considerada um local bastante seguro, se tomarmos como referência a incidência de crimes como o tráfico de drogas e os homicídios, por exemplo. Já as questões ligadas à indisciplina e às incivilidades estão bem mais presentes no ambiente escolar, mas possuem perfis e natureza bem distinta conforme o estabelecimento de ensino: público ou particular.


Mesmo dentre as escolas públicas, há uma diversidade de situações que não permite generalizações como as sugeridas pela matéria. Esta diversidade tampouco permite afirmar, como faz a revista, que ‘o jovem da periferia entra na escola sem perspectivas de futuro e essa frustração acaba se refletindo em sua relação com o professor. O aluno não sonha em ser médico ou advogado. Quer ser pagodeiro, jogador de futebol’. Assim, a reportagem explicita enorme carga de preconceito em relação aos jovens pobres, e contribui, como de resto toda a grande imprensa, para a estigmatização destes sujeitos.


A reportagem faz ainda pior, ao atribuir aos alunos as causas do desequilíbrio emocional dos professores, quando esta situação deve-se a uma variedade de fatores, entre eles as péssimas condições de trabalho a que estão expostos e à pesada jornada de trabalho que são obrigados a cumprir para sobreviver.


Os jovens são, também eles, vítimas desta situação. Apesar disso, muitas escolas, professores e alunos tem resistido a esta situação buscando corajosamente saídas criativas para construir uma educação com mais qualidade e que prepare melhor para a vida. É pena que a informação sobre estas iniciativas, extremamente valiosas e importantes, não venda tanta revista quanto o alarde enganoso feito pela reportagem sobre indisciplina.


É fundamental que veículos como a revista Veja – de cujo alcance temos conhecimento – consulte na produção de suas matérias as diversas fontes que devem ser ouvidas, para evitar que a população tenha acesso a informações parciais ou equivocadas da realidade brasileira.


Estamos à disposição para sugerir fontes para a revista Veja e para todo veículo que se disponha a oferecer uma visão mais diversa e plural – e, portanto, fiel – do complexo contexto escolar e educacional brasileiro.


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Ação Educativa é uma organização não-governamental que atua nas áreas da educação e da juventude. Fundada em 1994, desenvolve projetos que envolvem formação de educadores e jovens, animação cultural, pesquisa, informação, assessoria a políticas públicas, participação em redes e outras articulações interinstitucionais. Tem como missão a promoção dos direitos educativos e dos direitos da juventude, tendo em vista a promoção da justiça social, da democracia participativa e do desenvolvimento sustentável no Brasil.

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Coordenadora de Programas da Ação Educativa